Teto de gastos e reformas
No relatório divulgado nesta quarta-feira, a OCDE recomendou que seja garantida a sustentabilidade das contas públicas, com a manutenção do chamado “teto de gastos” – mecanismo criado em 2016 que impede a maior parte dos gastos públicos de subir mais do que a inflação do ano anterior.
Nesta semana, o governo admitiu que, sem reformas, o teto de gastos tende a precarizar serviços públicos e pressionar investimentos.
Por conta do alto nível de gastos obrigatórios, que somam cerca de 94% das despesas totais, a OCDE avaliou que a “regra [do teto] corre o risco de ser quebrada em 2021, o que pode afetar a confiança e resultar em custos de financiamento mais elevados [alta na taxa de juros]”. Por isso, recomendou, também, mudanças nos gastos obrigatórios e nas regras de indexação para possibilitar o “ajuste fiscal necessário e garantir o cumprimento das regras fiscais no curto prazo”.
Entre as reformas propostas pela entidade, estão algumas já encaminhadas pelo governo brasileiro, como:
- a reforma administrativa, para reduzir as “altas despesas com folha de pagamento”;
- uma segunda rodada de mudanças da previdência, atacando as regras de despesas com pensões ao alinhar as regras de aposentadoria entre funcionários estaduais e municipais e militares com as normas do setor privado;
- uma reforma tributária que simplifique as regras de arrecadação para aumentar a produtividade e a competitividade da economia.
A OCDE também recomenda redução dos subsídios, ou seja, redução de tributos para setores da sociedade, citando possíveis mudanças nas leis da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional.
“No longo prazo, pode não haver argumentos fortes para manter o Simples Nacional no contexto de uma reforma tributária mais ampla que simplificaria o sistema tributário geral”, diz o documento.
Outra frente proposta pela entidade para aumentar a eficiência dos gastos públicos é o combate à corrupção.
“Práticas corruptas e propinas, como as reveladas nos últimos anos, desperdiçam recursos públicos, aumentam a percepção de risco político e contencioso, deterioram o clima de investimento de um país e exacerbam as desigualdades de renda, permitindo que funcionários públicos relativamente prósperos e empresários desviem recursos do contribuinte”, informou.
Mercado de trabalho
Sobre o mercado de trabalho, a avaliação da OCDE é de que os custos tributários são altos no Brasil, na comparação internacional, consistindo principalmente em contribuições para a seguridade social “sem progressividade embutida”, ou seja, sem direcionamento para a baixa renda, e também uma contribuição do empregador de 8% para o FGTS.
“A redução da carga tributária para trabalhadores pouco qualificados fortaleceria os incentivos à formalização. Uma redução recente das contribuições sociais para jovens no primeiro emprego pode ajudá-los a ter acesso a empregos formais, mas seu impacto deve ser monitorado e avaliado cuidadosamente”, diz a OCDE.
“Se a medida for bem-sucedida, a expansão dessa taxa mais baixa para todas as pessoas de baixa renda, independentemente da idade, fortaleceria os incentivos à criação de empregos formais e acrescentaria mais progressividade ao financiamento da seguridade social”, acrescenta a entidade.
Bolsa Família
Segundo a OCDE, as transferências do Bolsa Família têm um forte impacto sobre a pobreza e a desigualdade, mas diminuíram 22% em termos reais nos últimos 15 anos. Por isso, recomendou aumentar os benefícios e acelerar as concessões de benefícios no programa Bolsa Família.
“Nenhum ajuste automático é aplicado às transferências condicionais de dinheiro no programa Bolsa Família, que visa famílias com renda per capita mensal abaixo de R $ 178 por mês e com crianças matriculadas em programas regulares de escola. Aumentar os benefícios e os limites de elegibilidade tem grande potencial para reduzir ainda mais a pobreza, ao mesmo tempo que garante que todos os elegíveis sejam inscritos com atrasos razoáveis”, avaliou a entidade.
Segundo avaliação da OCDE, os mecanismos de indexação presentes na economia brasileira implicaram que os aumentos nos gastos sociais gerais ocorridos na última década beneficiaram principalmente as famílias não pobres.
“Simultaneamente, esses mecanismos têm exacerbado o viés do gasto social em detrimento de crianças e jovens. Preservar o poder aquisitivo real dos benefícios previdenciários, ajustando-os aos preços, poderia liberar recursos para elevar os gastos com o Bolsa Família, única transferência em que os gastos incrementais realmente atingiriam os 52 milhões de brasileiros com renda abaixo dos US$ 5,50 [por dia] do Banco Mundial”, informou.
O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, afirmou que o governo já está atendendo à recomendação da OCDE de elevar os recursos do Bolsa Família, com a proposta de aumento de 20% em 2021.
“Havendo necessidade, mais famílias podem entrar. Se houver necessidade, respeitando nosso limite de gastos, pode ser sim revisto para cima”, declarou.
Economia verde e desmatamento
Por fim, a OCDE também lembrou que o cumprimento das promessas feitas pelo Brasil no acordo de Paris para 2025 implicaria na redução das emissões de gases poluentes em 37%, frente ao patamar de 2005.
“Como as emissões recentemente tiveram uma tendência de aumento leve, em vez de tendência de queda, isso será desafiador e requer intensificar os esforços políticos. Os três maiores componentes de emissão são agricultura (34%), energia (32%) e uso da terra e silvicultura (22%)”, infomou.
Sobre o desmatamento, a entidade avaliou que é preciso aumentar os esforços de fiscalização, com orçamentos maiores, e a contratar mais equipes de fiscalização.
“Após alguns sinais confusos, as mensagens políticas sobre a aplicação da lei tornaram-se recentemente mais consistentes. A decisão de fevereiro de 2020 de colocar as políticas relacionadas ao desmatamento sob a responsabilidade de um conselho interministerial liderado pelo vice-presidente pode ajudar a fortalecer esse pilar. O emprego das forças armadas para combater o desmatamento ilegal tem mostrado efeitos positivos recentemente”, avaliou a OCDE.
Para conter o desmatamento, a entidade avaliou que o financiamento internacional “deve fazer parte dessa estratégia, possivelmente em uma extensão muito maior do que no passado”. “O Fundo Amazônia já desembolsou US $ 500 milhões, principalmente de doações da Noruega e Alemanha. Na ausência de um acordo sobre a estrutura de governança operacional do Fundo, os fundos não comprometidos estão congelados desde agosto de 2019”, lembrou.