ONDE ESTÁ NOSSA BOGOTÁ – Ivenio Hermes

A respeito do sistema prisional, tenho me perguntado quantos candidatos a governador já utilizaram em suas plataformas de campanha, a promessa de que investiriam em construção de penitenciárias modelo, onde fosse promovida a reabilitação, a instalação de oficinas de trabalho ou com qualquer composição de esforços no sentido de se preocupar com o retorno do infrator da lei quando sua pena terminasse.

Toda ação policial prolongada precisa de ferramentas de controle para renovar quando sua eficácia estiver deixando de ser satisfatória, o policiamento de proximidade enfraquecerá sem o suporte de outras áreas. Qualquer evidência ensejada com a atuação da polícia ostensiva precisa da polícia investigativa em consonância, e evidentemente que, outros aspectos precisam estar se configurando nos bastidores através da integração entre os órgãos componentes da pasta da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social com outras, como a Secretaria de Justiça, a de Mulheres, A de Esportes, e outras, afinal, a sensação de segurança é obtida eficazmente por meio de diversas políticas públicas que se ajustam e se engrenam na promoção do crescimento social como um todo… Artigo: A Primeira Onda, Ivenio Hermes, Portal Luis Nassif, 10 de Janeiro de 2015

Conhecer segurança pública é um aprendizado contínuo de estudos multidisciplinares de como se processa a dinâmica da criminalidade e da violência, reconhecendo que o velho modelo populista de “polícia nas ruas”, não será suficiente quando não vem acompanhado de um plano de segurança pública, com estratégias de execução, integração de outras secretarias com o propósito de cuidar dos aspectos sociais, educacionais, culturais, todos convergindo para recuperar as raízes de nossa sociedade corrompida pela inversão de valores morais cujo exemplo vem dos próprios políticos corruptos.

Sem um sistema de metas a serem alcançadas, métodos de aferição claros e transparentes para a sociedade, acesso límpido a informações que não possua natureza sigilosa, o estabelecimento de recompensas pelos esforços dos agentes encarregados de aplicar a lei, não se consegue obter nem manter resultados positivos.

 No Rio Grande do Norte, no início da administração atual, a preocupação era com critérios técnicos e modelos cientificamente testados, houve uma ênfase de reerguer a segurança desde seus pilares, usando a capacitação continuada, os mapeamentos prognósticos e a devida credibilidade aos atores técnicos do processo, e no final de 2015, houve uma redução histórica na criminalidade homicida no estado.

Ainda em 2015, se sabia que as políticas “Ronda Cidadã” e “Áreas Integradas de Segurança Pública” possuíam fragilidades em sua concepção que não podiam ser reforçadas devido à imposição dos idealizadores e de vaidades institucionais.

Um modelo de relatório integrado de ações, a ser preenchido pelo comandante da área e pelo delegado, não passou de uma peça formal esquecida cujo gestor da secretaria de segurança não conseguia fazer com que fosse preenchido, portanto, a mensuração de sucesso ou insucesso, se tornou muito dificultosa.

A segurança pública parou de atender a demanda dos técnicos, e alguns gestores não quiseram aprender novos métodos de análises criminais, se limitando aos antiquados gráficos sem qualquer análise contextual das macrocausas que estavam levando aquelas estatísticas a se apresentarem daquela forma. Era o insucesso do modelo técnico científico sendo gestado dentro de uma secretaria que pretendia mudar a realidade do RN.

Talvez percebendo as limitações das políticas adotadas, o Governo do Estado resolve visitar a Colômbia nos primeiros meses de 2016, o objetivo era conhecer os modelos exitosos que transformaram aquele país que fora um violento narcoestado em um país com alto padrão de qualidade de vida e segurança pública, que atrai turistas e investidores do mundo inteiro.

Durante as visitas, a equipe técnica formada, dentre outros, pelo secretário da SEJUC, que na época era Cristiano Feitosa, e o então secretário adjunto da SESED, atualmente o secretário Caio Bezerra, devem ter percebido que um Estado reativo não reduz a criminalidade, não estabelece meios de frear a violência, nem avança em resultados duradouros sem que o Estado protagonize ações agregadoras para resolver o problema da insegurança desde de seu nascedouro. A atmosfera de esperança de que se investiria também no sistema prisional se reascendeu, mas nenhum projeto nascido naquele país foi aparentemente implantado no Rio Grande do Norte. Leia as declarações do próprio governador:

Sobre os projetos que conheceu, o governador afirmou que: “Neste desafio de reduzir as taxas de criminalidade em Medellín pudemos conferir o quanto os investimentos em projetos sociais, infraestrutura, urbanismo, saúde e educação são fundamentais no processo de pacificação. Com essas visitas é possível constatar que o fortalecimento da segurança pública na Colômbia, além da relação policial, também passou pela cidadania”, declarou Robinson Faria, destacando que alguns projetos conhecidos, apesar de realidades diferentes, poderão servir de inspiração para a aplicação no Rio Grande do Norte. (Grifo acrescentado) Citação extraída do texto oficial “Sejuc visita presídio modelo em Bogotá e conhece projetos de ressocialização” .

Na época uma das quatro unidades prisionais de Bogotá fora visitada, já fazia quase um ano que Alcaçuz havia sido palco de uma rebelião que destruiu parte de suas instalações, mas nem mesmo o cuidado de reconstruir e retomar o controle da penitenciária foi feito. Como então adotar modelos colombianos, ressalvadas as devidas realidades, se nem um controle mínimo do Estado sobre a massa carcerária foi retomado?

Ainda assim houve uma renovação nos ânimos quanto ao planejamento estratégico em segurança pública, pois também aconteceram visitas ao Centro de Informação Estratégica de Polícia Seccional e ao Centro de Atendimento Imediato da Polícia, setores responsáveis por ações preventivas, vigilância e controle social, que se fundamentava em resultados positivos naquele país. Isso não foi tão perceptível aqui quando em 2016, as ações de segurança pública passaram a ser ainda mais reativas e com estratégias tão frágeis que durante a crise em decorrência da instalação dos bloqueadores de sinal de celulares nos presídios, não havia estratégias da Secretaria de Segurança Pública para conter as ações criminosas de grupos organizados e acabou-se por recorrer às Forças Armadas para protagonizar a segurança pública do Estado.

 Os setores visitados são responsáveis pelas ações de prevenção, vigilância e o controle social em suas áreas de atuação. A programação em Bogotá, do secretário adjunto Caio Bezerra, ainda incluiu a visitação ao Centro de Informação Estratégica de Polícia Seccional e ao Centro de Atendimento Imediato da Polícia Colombiana, que é responsável pelo planejamento do policiamento comunitário organizado a partir das áreas de maiores incidências criminais. (Grifo acrescentado) Citação extraída do texto oficial “Adjunto da SESED conhece protocolos e planejamento da Polícia Colombiana.” 

A reatividade e a ausência de integração entre as secretárias foi o que transpareceu dessa última crise em Alcaçuz, que como já argumentamos em outro texto, havia sido anunciada. Portanto, ao invés de evoluirmos a partir do aprendizado obtido na Colômbia, na amostragem dos resultados que formam o atual cenário potiguar, parece que demos vários passos para trás.

Setores estratégicos como os grupos de inteligência parecem não serem ouvidas ou não se comunicarem, e mesmo com esforço sobre humano de policiais civis, militares e agentes penitenciários honestos e envolvidos com sua missão, arriscando suas vidas em escalas absurdas e efetivos que não fazem frente minimamente às ações da criminalidade, parece que a integração não funciona e que conforme o tempo passa mais aumenta o descrédito da segurança pública. Fácil seria agora culpar o sistema prisional por tudo, mas é difícil buscar enxergar a falta de condições de trabalho desses homens e mulheres.

Uma propaganda da gestão dizer que investirá em presídios, nas condições de humanas de suas instalações, no respeito à possibilidade de resgatar aqueles infratores da lei que possuem a chance de serem reabilitados, parece não ser algo popular e nem conquistar votos nas eleições. É tratado como um investimento impopular para uma sociedade que vem sendo alimentada pelo ódio ao infrator da lei, pela concepção de que todos os apenados são iguais e nenhum tem condições de recuperação.

Também se trata de um estado que, a despeito do alerta de especialistas e profissionais técnicos da área, prefere aceitar o empirismo das sugestões de corredores e continua contribuindo para que essa antipatia popular se propague, pois joga todos no mesmo caldeirão, não recupera suas prisões, não permite a retomada do controle dos estabelecimentos prisionais, deixando aqueles que ainda teriam chance de retornarem à sociedade como cidadãos produtivos, serem dominados pela força da ameaça às suas famílias, consolidando a ausência estatal que ajuda a criar mais condições para que a criminalidade se robusteça no interior dos presídios e tenham cada vez mais influência no meio exterior.

É necessário refletir sobre as soluções que serão adotadas a partir de agora e fugir do empirismo dominante. Talvez seja até o momento de indagar onde estão as soluções que há quase um ano foram buscadas na Colômbia? Elas não parecem terem se materializado no Rio Grande do Norte, a não ser que sejam aquelas da Colômbia de 31 anos atrás, que era dominada pelo crime, onde ações criminosas eram ordenadas de dentro das prisões, quando a criminalidade imperava pelas forças das facções, e as Forças Armadas eram chamadas para protagonizar o papel das polícias e intervir, pois, o descontrole do estado era a fraqueza que fazia os criminosos se tornarem mais audaciosos a ponto de promoverem mortes dentro e fora dos presídios, atentados à órgãos públicos e incêndios em transportes públicos e veículos nas ruas…

Desse modelo a sociedade potiguar não precisa.

Por isso fica a pergunta: Onde está nossa Bogotá?

Ivenio Hermes – Consultor de Políticas Públicas de Segurança; Coordenador do OBVIO – Observatório da Violência do Rio Grande do Norte e Membro Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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