Ao final da guerra do fim do mundo, adveio uma surpresa de algo que poderia ser uma tragédia ainda pior.
Logo após cessarem os disparos do canhão 32, a ‘matadeira’, dos terríveis canhões Krupp 7.5 e dos morteiros Canet, que ecoaram nos céus do sertão baiano, em estrondos só comparáveis ao reboo sônico na queda do meteorito Bendegó e o rugir dos trovões atemporais, ‘um estrupido sem tamanho!’ dito na emoção por Euclides da Cunha, presente atônito da cena.
A República jogou seu Exército e suas Polícias para matar um velho de longas barbas, um santarrão, que criou um gigantesco séquito de fanáticos, todos muito pobres, mas que estavam certos da salvação da alma após a morte!
Em seguida ao incêndio do casario de taipa de Canudos, pela tropa de dez mil militares que arrasaram as igrejas de Santo Antônio e a nova do Bom Jesus, tornadas trincheiras quase inexpugnáveis, esfareladas pela ‘matadeira’, o incêndio do plantio e do mobiliário tosco amontoado nas vielas em forma de teia, o agrupamento avançado da tropa rompeu os últimos abrigos de resistência dos conselheiristas, cujos corpos dilacerados se estendiam por todo o domínio do beato Antônio Conselheiro. Corpos de militares mutilados eram empilhados a um canto da tenda de sangue, ficava no Alto do Mário, ao lado um valado onde se enterravam os corpos decaídos da tropa..
No descair do terreno oposto ao morro da Favela, base das tropas, de dentro dos últimos casebres a oeste do arraial do Belo Monte, soldados trôpegos mas corajosos do 7º Batalhão de Infantaria descobrem centenas de crianças esquálidas, olhos enormes, quase nuas, doentes, descalças, mas salvas do morticínio, a maioria mancava sem forças. As que ficaram hígidas haviam fugido pela mata catingueira adentro.
As crianças foram trazidas ao general Artur Oscar que a princípio não sabia o que fazer. Militares e jornalistas correspondentes de guerra eram abraçados por aquelas inocentes almas, órfãos da guerra fratricida, que eram chamados de jaguncinhos.
No retorno a Salvador, os jagucinhos alimentados e tratados acompanhavam seus novos ‘protetores’, um deles, acompanhou Euclides da Cunha. Era uma criança de sete anos entregue ao escritor pelo próprio general Artur Oscar.
No regresso a São Paulo, outubro de 1897, Euclides entrega o menino em adoção à família de Gabriel Prestes, diretor da Escola Caetano de Campos. O menino receberia o sobrenome de seu tutor: Ludgero Prestes.
Em 1923, os alunos do Educandário de Bebedouro, se perfilaram em um dia de comemoração cívica.
À frente deles, o emocionado diretor do Grupo Escolar, era ele o sobrevivente ex-jaguncinho, agora Professor Ludgero Prestes.
Consulta:
Euclides da Cunha. Os Sertões, 1984.
Museu da República: Acervo Flavio de Barros.
Afrânio Peixoto. Poeira da Estrada. RJ. 1947.
José Calazans. Antônio Conselheiro. Salvador. UFBA,1959.