OS PREGOEIROS – Alberto da Hora

OS PREGOEIROS –

Mais uma pausa para as memórias. Nossas doces, infantis e gostosas lembranças.

O JORNALEIRO

Todos sabem que cambraia é um popular tecido branco e fino, muito usado antigamente. Mas era também o apelido de um negro jornaleiro, com descalços pés-de-lapa, que no meio da tarde descia do Alecrim e cruzava as “cinco bocas” anunciando com potente monocórdia de pregoeiro:

– Olha o Jornal de Natal! Olha o Jornal de Natal!

Falava pouco. A boca larga e a forte voz só cuspiam frases curtas, difíceis de entender. As calças e camisas claras, arregaçadas até o meio da perna e dos braços, dentes alvacentos de negro retinto, lembravam o “Carregador de Café”, de Portinari.

Herdeiros de todos os preconceitos, morríamos de medo e fugíamos quando apontava no topo da ladeira o negro imponente, de voz de trombeta, que toda tarde estremecia os ouvidos da Guarita:

– Olha o Jornal de Natal! Olha o Jornal de Natal!

OLHA O CUSCUZ

O tabuleiro era conhecido. De alumínio, quatro pés de madeira, e duas tampas convergindo para um eixo com dobradiças no centro.

Mas o interessante, sem dúvida, era o vendedor. Vestido com higiene, as roupas impecavelmente limpas, um gorro com rodilhas de pano para suportar o peso. E o pregão, agudo, estridente, ouvido à distância, que já tinha sido “olha o cuscuz”, com o tempo e o hábito, o acabou abreviado para um simples e não menos sonoro, “ólho”!

PÃO QUENTE

O pão era novinho, oferecido às tardes, conduzido em um grande balaio pelo mulato magro fanhoso, de quem de longe se ouvia, o brado estridente.

O pregão “pão quente”, com a repetição, também mudou. Tornou-se um popular e indefectível Quéin…!

Quentinho, cheiroso, desejado e esperado, era comprado em sacolas de pano e servido pelo garfo grande manejado com destreza pelo “pãozeiro”.

Gostosa lembrança.

O MUNGUNZÁ

O vendedor de munguzá (“manguzá”, para nós), como outros, também exibia uma corruptela no seu pregão. O seu “…tem coco!”, antes já fora “…olha o munguzá com coco!”, algo assim.

Mais uma iguaria, outra delícia. Era servida e medida por uma concha, e recolhida em nossas panelas e outros recipientes.

VENDEDORES DE AREIA

Quando falo desses comerciantes, alguém me pergunta se existiam realmente vendedores de areia.

Claro que sim. Quem morava no subúrbio, longe de praias e rios, não tinha facilidade nem disponibilidade para conseguir os “produtos”, que – tradicionalmente – eram usados para limpar e lustrar panelas. Daí, o trabalho dos vendedores, que transportavam em pequenos sacos, a areia da praia menos valiosa, e a dos rios, mais eficiente e cara.

CAVACO CHINÊS

Hoje, ainda existem os vendedores. Porém, sem a qualidade e o charme dos “cavacos” de antigamente. Até na apresentação eram diferentes. Antes, era transportado em um balde cilíndrico metálico, uma alça de couro ou tecido ajustada nos ombros do vendedor que, com destreza, fazia vibrar um brilhante triângulo de metal, acompanhando o canto monocórdico:

– Olha o cavaco chinês, olha o cavaco chinês!…

ALFENIM

Uma das guloseimas mais queridas. Fácil de morder, mais fácil de mastigar, e possuía outro atrativo. Era moldado em diversas formas. Bonecos humanos, animais e objetos diversos. Eu preferia os de animais e vibrava ansioso quando ouvia o grito direto, certeiro, agudo e penetrante:

– Alfeniiim!

GELÉ DE COCO

A denominação do doce de coco conhecido como “quebra-queixo”, para nós não traz emoção ou atração. Porque o que mantemos com carinho na memória é o “gelé de coco”, que é o mesmo doce. A antiga expressão deveria ser uma corruptela de “geleia…”, mas era como gelé que consumíamos uma das melhores delícias do tempo de criança.

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

 

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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