As lendas, os contos infantis e as histórias de carochinha nos dão conta de Príncipes que viram sapo, passarinho, cachorro e outros tipos de animais. Mas no Brasil – ah, que país fantástico! – os Príncipes há muito tempo estão virando saúva. É, saúva, aquela formiga grande, que na década de 50 gerou um verdadeiro clamor nacional a favor da sua extinção (lembram-se do slogan “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil?”). Naquele tempo a frente de batalha fora aberta contra o pequeno animal em função da sua incontrolável capacidade de destruir tudo que encontrasse pela frente. Dotada de presas de uma eficiência extraordinária, a saúva assustou o meio rural brasileiro, ainda carente de modernas tecnologias necessárias ao combate das pragas no campo, pelos enormes prejuízos que causava com a sua fome desmesurada. Milho, café, e outras preciosas culturas, sucumbiam diante da poderosa formiga.
Com o passar do tempo, os problemas criados pela saúva foram tomando uma dimensão administrável, novas tecnologias foram surgindo, seu combate foi ficando a cada dia mais eficaz – e ela deixou de ser o bicho-papão que se prenunciava. Mas ao se retirar do palco das emoções nacionais, a saúva deixou um herdeiro muito mais poderoso: o mau político, o tal do homem público corrompido. São os Príncipes de que nos fala Maquiavel. Para efeito externo parecem perfeitos. Bem vestidos, bem arrumados, falantes, envolventes. Interiormente, entretanto, deixam muito a desejar. Têm funções de comando, influenciam, administram muito dinheiro e, em todo momento, mexem com a vida de milhares e milhares de pessoas. Segundo a Bíblia são instituídos por Deus para exercer autoridade. Deveriam, como se vê, encarnar o papel de Príncipes tanto do ponto de vista político como no tocante ao espiritual. Mas nem sempre é assim…
A diferença visual entre o Príncipe e a saúva é gritante. Moralmente a diferença deveria permanecer. Mas tem muito Príncipe trocando o caráter e as vestes de Príncipe, talares, solenes, majestáticas, espiritualmente abençoadas, pela vestimenta obscura, fétida, e moralmente desprezível da saúva. O Príncipe foi entronizado para edificar, construir, solidificar, consolidar, fortalecer. A saúva só existe para prejudicar, danificar, impedir, trabalhando tão somente em função de si mesma. À saúva pouco importa o que acontece quando, através de suas presas afiadas, põe abaixo a folha que dá sustentação ao fruto. A ela pouco importa se seu gesto vai gerar a fome ou a escassez de provisão para alguém. Ela quer cortar, se locupletar, cuidar do que é seu, levar suas vantagens. Quando um Príncipe vira saúva o estrago que causa à sociedade é enorme. De construtor passa a predador – e muitos sofrem em função dessa mudança.
Ah! Ia esquecendo de ressaltar a questão do cheiro. O Príncipe usa os melhores perfumes, as essências mais refinadas. Sua aparência exterior tem de estar em dia com os manuais da moda, da etiqueta, do social. O perfume que exala é muito importante para causar boa impressão. Já a saúva… Tem o cheiro do subterrâneo, do porão, de lugares escondidos, mal cheirosos, putrefatos. As obras do Príncipe são idealizadas à luz do sol e concretizadas para o bem comum. As obras da saúva se escondem da luz. Tudo que corta e carrega é levado para as sombras – para uso exclusivamente seu. Mas o destino é cruel com a saúva. Ela nunca deixará de ser saúva. Inclusive de ter as suas péssimas qualidades. Já o Príncipe tem retorno. Pode largar o cheiro, o odor, as vestes e o caráter da saúva e voltar a brilhar, a resplandecer na postura física, moral e espiritual de Príncipe. É só querer. Será que quer?
Públio José – jornalista ([email protected])