OS VERBOS DOS MENINOS DE ANTIGAMENTE –
No recuo do tempo, as lembranças me conduzem à adolescência, num cenário de sonhos e de brincadeiras. Em nossos divertimentos não havia tecnologia. Entretanto, sobrava criatividade e os brinquedos eram constituídos de piões, bozós, carrinhos de mão, bolas de gude e de futebol e bandeirinhas.
Hoje as crianças empunham diversos tipos de armas para brincar, numa simulação do mundo adulto.
Há brinquedos que brincam sozinhos e a criança fica apenas olhando.
Passarei a relembrar por ordem alfabética, diversos verbos da nossa infância e juventude: ACHAR – ninho de passarinho e procurar criar os filhotes; ACREDITAR – nos mandamentos da Bíblia Sagrada que contribuem para o aperfeiçoamento do homem e da humanidade; ALUGAR – após muita economia meia hora de bicicleta, levar quedas, ficar com os braços arranhados, mas aprender e fazer firulas; AMAR – a Deus, aos pais, irmãos, a pátria, saber de cor e salteado os nossos hinos cívicos; BRINCAR – de garrafão, bandeirinha, polícia-ladrão, pão quente, 31 alerta, tô no poço, telefone sem fio, pé de quenga, jogo de pedras, cavalhada, berlinda, passar o anel, tica-cola, com caminhões de flande, rodar pneu velho, carrinho de rolemã, cobra-cega, bolas de pano e de futebol; CANTAR – cantigas de roda e cantar e bater palmas; COLHER – jabuticabas, goiabas, araçás, pitangas com os amigos, na época dessas frutas; COLECIONAR – figurinhas, uma a uma, trocando algumas, e a emoção de uma ser carimbada, encher o álbum para concorrer a uma premiação; COMER – sementes de mamão para acabar com a verminose, doces feitos em casa (leite, goiaba, laranja), roscas, sequilhos e biscoitos; CONHECER – brincar de pique, pular muros, saltar janelas; CORRER – à cavalo, disputar corrida com o cão, com o amigo, correr de peito aberto; CUIDAR – das criações de galinhas, patos, pombos, quebrar milho para dar pros pintinhos, vigiar a galinha choca, ver as poedeiras; CONTRIBUIR – para a paz, fraternidade e solidariedade entre os homens; DIVERTIR-SE – jogando bolinha de gude, o pega-pega, o esconde-esconde, o rodar pião, o empinar papagaio, o fazer cata-vento; DORMIR – em colchões de palha sobre estrados e sonhar em ser franciscano, viver uma vida dedicada ao próximo; ESPERAR – as festas da cidade, da igreja, procissão, o circo, os filmes mudos no domingo; ESTUDAR – as primeiras letras, os poucos cadernos, o lápis, a caneta tinteiro, lápis de cor; FAZER – parte do catecismo, a primeira comunhão, ter a fitinha no pescoço, ser crismado; IR – à casa da madrinha ou padrinho, dos amigos, pequenas viagens a pé, buscar no sítio melancia, verduras; OUVIR – de boca aberta as histórias dos mais velhos, as lendas dos lobisomens, da mula-sem-cabeça, papa-figo e os causos; PEDIR – perdão por desobediência aos pais, erros cometidos, objetos escondidos; PULAR – cademia, corda; RESPEITAR – os mais velhos, ouvir e ficar de boca fechada, obedecer as ordens sem discussão; REZAR – as deitar-se, de manhã, nas refeições e na missa aos domingos; SENTAR – à beira do fogão de lenha, comer batata-doce assada, pipoca, queijo assado na brasa; SOLTAR – pipa ou coruja; SORRIR – ao ver o pôr do sol, andar na chuva, pisar nas poças d’água, tomar banho nos riachos e cachoeiras, andar descalço; SUAR – e deitar de barriga para o céu, contar as nuvens com suas formas de cavalo, carneiro, cachorro e pensar em voar; SUBIR – em árvores, apanhar as frutas, na própria casa ou na dos vizinhos, ver os ninhos, os filhotes, derrubar casa de maribondo; TER – bolsos na calça e na camisa, com bolinhas, pedras, estilingues e uns tostões; TOMAR – banho de bica, de bacia, à noite lavar os pés, de manhã a cara, as mãos antes do café com leite, as vezes com pão; USAR – roupas reformadas dos mais velhos, calças com suspensórios (tiracas), camisa xadrez; VESTIR – só nas festas uma roupa nova, calça curta até os 10 anos, depois a calça cumprida, era um homem; VIAJAR – no lombo de cavalos, burros, as vezes na Maria Fumaça e correr de cavalo de pau; VISITAR – o cemitério no dia de finados, na igreja ficar nos lugares das crianças, com boa educação.
Eu me transporto para aqueles tempos onde se brincava de tudo que vinha à imaginação.
Os assaltos, sequestros e outras violências deixam os meninos de hoje presos em suas residências. Eles são reféns da escalada do crime em suas diferentes modalidades, cada vez mais crescente, numa demonstração da fraqueza das leis e da pouca capacidade de reação de nossas autoridades.
Hoje, as crianças não conjugam os verbos dos meninos de antigamente.
Lenilson Carvalho – Dentista e escritor
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