OUTRO ANO SEM CARNAVAL – 

Dizem que o Carnaval teve origem na Antiguidade. A palavra vem do latim, carnis levale, cujo significado é “retirar a carne”. Está relacionado com o jejum do mundo cristão, que deveria ser observado na quaresma. Esse procedimento sacro foi-se afastando da beatitude até se transformar na mais pagã das festas populares.

O entrudo, no período colonial, é considerado uma das primeiras manifestações carnavalescas no Brasil. Em seguida vieram os ranchos, os cordões, os corsos, os bailes de salão e as escolas de samba. Com o passar dos anos outras tendências culturais foram se incorporando ao movimento, até alcançar o estágio atual.

Na mitologia grega, Momo, é tida como uma das filhas da deusa Nix –  personificação da noite -, gerada sem um pai. Na Roma antiga, Momo, era representada pelo soldado mais bonito, sendo coroado e reverenciado como um rei. Já o nosso Momo surgiu no Rio de Janeiro, em 1933, na forma de um boneco de papelão, denominado Rei Momo I e Único, tornando-se um monarca de carne e osso no ano seguinte.

Carnavais são festejados em diferentes nações do planeta, porém, nenhuma absorveu melhor a essência do mundanismo momesco como o nosso país. Certamente, resultado da dosagem exata da miscigenação de raças junto a alegria inata do povo, aliadas à sensualidade provocada pelo clima tropical perene da terra brasilis.

O misto de luz, cor, bebida, fantasia, alegoria, coreografia, mulher seminua, despudor, animação, irreverência, liberdade, baixo custo, música e aceitação popular não poderia ser mais oportuno para se encaixar no objetivo de divertir multidões. Daí ninguém conseguir ficar alheio à magia do Carnaval, até porque não sobra espaço para a indiferença. A farra é para ser amada ou odiada, intensamente.

Brinquei carnavais quando ainda se respeitavam determinados limites. Onde se bebia muito sem a presença de drogas pesadas e, onde o mais próximo que se chegava dos alucinógenos de hoje era o éter contido no lança-perfume Rodouro.

Participei de blocos assaltando casas de famílias amigas, que se insinuavam para nos receber. Guardo lembranças das noitadas carnavalescas nos clubes sociais, madrugadas adentro e, das voltas seguidas nos circuitos destinados aos corsos, sob os olhares atentos e insinuantes de jovens namoradeiras. Acompanhei, nas páginas d’O Cruzeiro e da Manchete, as notícias dos bailes do Rio de Janeiro e dos folguedos de rua de Recife e Olinda, babando de inveja.

Sem ser um fanático pela folia de Momo, eu vivi momentos inesquecíveis. Por essa razão, não repudio e até compreendo a tendência do Carnaval moderno. Afinal, para tudo há o seu tempo, restando aos carnavais passados ficarem armazenados nos arquivos de memórias e nas lembranças de foliões saudosistas.

Dom Helder Câmara, em 1º de fevereiro de 1975, na Rádio Olinda AM, na sua crônica radiofônica Um Olhar sobre a Cidade, conclamou fiéis a brincarem o Carnaval, dizendo:

 – Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no Carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o Carnaval – e complementou:

– Brinque meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida.

Este ano também não deu, Dom Helder, uma tal Covid-19 acabou com o Carnaval do Brasil. Quem sabe, em 2023, com uma mãozinha sua aí, junto ao Todo Poderoso…

 

 

 

 

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro Civil

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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