OVÍPARA CELESTE –
Noto que mais uma vez pego um gomo de jaca dura. E estou mordiscando esta fruta deliciosa. Há quantos anos não comia jaca? Mais de 20, com certeza. Não lembrava como gostava tanto e… epa! Quantos gomos já foram? 5? 12? Não contei! Como eu cometi este erro? Não contei e acho que já exagerei.
Sim! Conto tudo o que como. Sejam uvas, jabuticabas, siriguelas, biscoitos de polvilho. E anoto no diário alimentar, meu cadastro oficial de consumo e meu peso ao lado, para não perder o foco. A consciência pesa e percebo que ninguém está se dando conta da batalha interna que estou lutando. Estamos na Baía da Traição, passando dias de férias.
O barulho de três gerações ao redor da mesa, tentando pôr em dia as conversas e novidades de 25 anos sem nos reencontrar chegam a ser engraçado. Temos sede de falar, de ouvir, de tocar, de olhar nos olhos e perceber o que ainda temos tão nosso que não ficou para trás.
Um resgate.
Assim, venço o medo da balança e continuo me enchendo de jaca, coco e mais tarde me vejo lambendo os dedos depois de comer uma cocada toda. Toda!
Caminho na praia que antes conhecia tão bem e que hoje se apresenta como uma desconhecida encantadora.
A paisagem mudou. Muitas casas foram derrubadas pela força da água e isto me inquieta. Sempre considerei a casa o lugar mais seguro que temos, protegidos de tudo, vento, chuva, maldade. Enfim, entendo que o mais seguro não é a casa, mas o lar. Percebo isso com uma alegria imensa de quem percebe que nunca é tarde para aprender, para se reencontrar com seu passado.
Paramos em torno da mesa. Sempre a mesa. É ali onde as melhores conversas acontecem. As maiores brigas. As perfeitas reconciliações. Agora, duas gerações de primos jogam Academia. Gargalhadas altas entrecortadas pelo barulho das ondas e vem uma pérola: ovípara celeste! Conseguiu compreender? Não! Nem nós que estávamos presentes. Mas, hoje, algum tempo depois destes dias mágicos, ainda dou risadas ao lembrar a ovípara celeste e penso que isto realmente existe. Dentro dos ovos sempre pensamos na vida. E o céu nos remete a Deus, à paz. Então, este janeiro foi um janeiro de ovípara celeste.
Espero que para vocês também…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora