Adauto José de Carvalho Filho

Esse artigo foi feito quando houve a ocupação do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro e o poder constituído, marqueteiros e mídia apresentavam para o cidadão um complexo de favelas pacificadas, onde os cidadãos de bens, que são 99,9% dos moradres, poderiam viver em paz. E tome entrevistas, falação, proselitismo e toda sorte de enganação.

As cenas de guerra, os blindados avançando nas vielas estreitas das favelas, uma população alheia entrecortando o cenário, homens armados até os dentes, a iminência de um conflito apresenta uma certa dúvida às precipitadas manifestações dos dirigentes e altas autoridades encarregadas das seguranças pública e nacional, já que a operação unificou os esforços de toda as armas e comemoram a vitória.

 O Estado tenta cumprir o seu papel. O crime deve ser punido da forma mais severa e, no caso do Rio de Janeiro, a repressão tem que ser pesada. Até aqui tudo é concorde. O que me banaliza os ouvidos é a utilização repetida da palavra pacificação.

Promover a paz é tão fácil assim?

Se a retórica é verdadeira por que o Estado demorou tantas dezenas, centenas de anos para promovê-la? Ou será que o desfile de tropas e a prisão de alguns bandidos dão a sensação de uma falsa pacificação? E quando o caveirão abandonar o morro, os blindados voltarem para os quartéis, os helicópteros voltarem a servir de transporte de autoridades como ficarão as comunidades do Complexo do Alemão, da Rocinha e do Pavãozinho?

Uma coisa é certa. O Estado quando quer, não importa a motivação, principalmente no interesse de seus dirigentes, ele é capaz de ser proativo. O problema é que ele deveria ser sempre proativo. Enquanto as balas se entrecortam nas favelas cariocas, outros cidadãos morem à míngua nos hospitais públicos, culpa da extinção da CPMF, lógico; estudantes freqüentam escolas decadentes, a merenda escolar é desviada por alguma providência dos deuses, o transporte público é um horror, as estradas matam mais do que uma guerra de verdade, entre outras deformidades e, a pergunta que não quer calar: aonde está o Estado que é proativo quando quer?

A resposta é conhecida. Não há como cobrir as necessidades sociais. Não? E para que serve o Estado? Eu recordo os bons tempos do Curso de Direito, atuais, já que terminei o curso com 58 anos, assistindo uma palestra de uma autoridade da Secretária de Defesa Social do meu Estado e, atônito, ouvi em alto e bom som: “o potiguar tem que se preparar para contratar segurança particular”. Eu, atrevido como sempre, levantei e perguntei à autoridade se ele conhecia (ou tinha consciência) dos deveres constitucionais do Estado, as competências de sua função como autoridade do governo e a burrice que tinha dito. E completei, se eu pensasse assim jamais aceitaria o cargo que o senhor ocupa para ser coerente com o que pensa e, indiretamente, não jogar dinheiro público pela janela.

Ajoelhou tem que rezar!

Confusão geral. A turma do deixa disso interveio e a tal palestra foi concluída rapidamente e a alta autoridade saiu voando baixinho.

Quando a esmola é grande o cego desconfia. Acho que depois das encenações cariocas a paz vai terminar sem ter começado. Afinal, alguém conhece a pena sofrida por Abel por ter matado Caim? Eu nunca li a Bíblia, mas garanto que não há registro da entrada ou saída do mesmo, mesmo que tenha sido por um breve tempo, de nenhum presídio do mundo. E o Oriente Médio, parece-me, não encontrou ainda a paz. Acho que vou sugerir aos pacificadores das citadas favelas a darem um espetáculo por lá. Afinal, de amor Roberto Carlos já falou em Jerusalém… em uma cidade cenográfica.

Aí está uma idéia genial! Ainda dizem que a turma de Hollywood é criativa. Tudo o que é de mentirinha é fácil.

Falando em mentira, perguntar não ofende. E as drogas vão circular por onde? Pelo pouco que sei (ou pelo que foi anunciado), os consumidores não foram presos ou molestados e se fossem, certamente, as zonas nobres do Rio de Janeiro ficariam vazias e os inferninhos virariam variáveis do céu. Uma pacificação de mentirinha é bem mais fácil. Basta concentrar os formadores de opinião, colocar efetivos na ruas, mostrar alguma disposição para agir, reportagens, cobertura ao vivo, entrevistas, e a pacificação se faz. As demais responsabilidades do Estado ficam expostas no ar, onde deveriam estar os helicópteros comprados para fazer a segurança pública e voam, sem segurança e sem o interesse público.

Eu não sou contra o mais ferrenho combate ao crime. O que me deixa indignado é a falseta comum ao poder público brasileiro de transformar tudo em exemplo de uma eficiência que está longe de ser atingida. Bang! Cuidado, pode ser uma bala perdida, como perdidas são as palavras fáceis de autoridades que utilizam os palanques da hora para apregoar uma pacificação em comunidades que ainda sofrerão muito com a violência no cotidiano de suas vidas. Combater sim, arvorar uma suposta pacificação para si, com visíveis interesses políticos, não. O povo não merece. Já bastam as estatísticas de mortes violentas comparadas a uma guerra civil e o sofrido lembrar de seus entes queridos que se foram, pelo que se depreende, pela mais total ausência e ineficiência do Estado, afinal, pacificar, dizem, é muito fácil. Já nos ensinava o grande jurista Barbosa Lima Sobrinho, que a solução para a violência é relativamente fácil: a punição dos culpados.

Eu relembrei da estória do recruta fofoqueiro que serviu o exército no tempo dos governos revolucionários. O homem era incorrigível e espalhava boatos contra a revolução por onde passava. Cadeia já não funcionava. Um sargento, então, teve uma grande idéia: simular um julgamento sumário e decretar um pena de fuzilamento. E assim foi feito. O coitado do fofoqueiro de olhos vendados e o sargento bradando: atenção pelotão, 1, 2, 3, … foram sete tiros. O fofoqueiro no primeiro tiro desmaiou de medo. Levaram o coitado para o catre. O sargentão, no dia seguinte, fez uma preleção e soltou o prisioneiro. Ao sair ileso do quartel encontrou um amigo de infância que perguntou como estavam as coisas. O fofoqueiro, temeroso, olhou para um lado, olhou para o outro e não se agüentando chamou o colega para perto dele e disse baixinho:

– estamos ferrados. Os comunistas vão vencer. O exército está falido. Até as balas são de festim!

A gente aguenta cada uma!

Um amigo falou que não havia como negar que o problema melhorou. Não entro no mérito. O que quero expressar é que o Estado não existe para melhorar, mas para resolver. Mostrou que é possível, basta exercer o seu papel como exerceu com a utilização da FORÇA NACIONAL. Fazer operações é fácil. O difícil é manter a autoridade de um Estado ausente, incompetente e sem referência de moralidade. Os bandidos voltaram para o complexo do Alemão. O que tinha melhorado escafedeu-se e bandidos e polícia vão patrocinar emocionantes cenas de filme de má qualidade, onde o único prejudicado será o cidadão vitimado de uma bala perdida e a sociedade de mais um crime que fica enclausurado nas desculpas esfarrapadas que tem o poder de resolver, mas faltam a intenção e a vontade política.

Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, Pedagogo, Bacharel em Direito, contador, Escritor e Poeta.

 

Ponto de Vista

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