PALANQUES FORA DE CONTEXTO –
Não bastasse o momento difícil que o Brasil atravessa (numa crise mundial em três dimensões: sanitária, econômica e social) e a sociedade em várias frentes adversas (pessoais, profissionais, psicológicas, etc.), a sociedade pacífica ainda tem que tolerar embates políticos desgastantes, porque políticos e seguidores não conseguiram se desvencilhar dos “palanques”. O País assume por opção uma outra dimensão crítica, numa inadmissível forma política, porque lideranças insistem em continuar tratando temas, que poderiam estar noutro plano de discussão, dada a dimensão histórica da crise que se enfrenta.
Particularmente, tenho minimizado essas questões políticas e procurado temas, senão inspiradores quanto ao desafio futuro que se espera no pós-pandemia, que pelo menos sejam mais coerentes e adequadas. Acho que essa exposição acirrada, com todo um clima de palanques armados, que vêm montados desde a eleição de 2014, revela-se como algo muito ruim para o País – e nós mesmos.
O embate político virou razão para qualquer coisa. Até nos
grupos amigos de Whatsapp se percebe a estupidez pelo gosto exagerado em favor ds politização, nas versões mais extremas possíveis, sob o ponto de vista das ideias. Não que a Política seja em si um aspecto desprezível. É justamente porque estamos magnetizados e bombardeados por informações, numa espécie de “pandemia mental”, que faz das redes sociais um “Juízo Final”, “Tribunal da Verdade” ou coisas que os valham. Insisto, assim, na tese de que a sociedade está se tornando refém de um mundo monocromático, no qual olhos, ouvidos e bocas se rendem à conveniência linear do que se quer ver, ouvir e falar. Não há diferenças para se por as mentes na linha do discernimento. Se alguma dose de violência já era algo que, aqui ou acolá, estava impregnada na História Política do Brasil, com a brutal “viralização” das opiniões pelas redes sociais, a agressividade interpessoal tomou conta dos “internautas fanatizados”. Desse modo, a política dá o tom incendiário justo na maior crise da História deste Pais. E o caos transparece como fato iminente.
Tem-se hoje uma situação para lá de surreal, como se extrai da obra de Kafka. Estamos numa crise mundial, mas o que parece prevalecer é a tese conspiratória de um vírus “criado e treinado” para agir contra os sistemas. Assuntos de pertinência médica são tratados por vieses ideológicos. Trocamos a bula dos medicamentos por cédulas eleitorais. De repente, anos de estudos e pesquisas, daqueles que respeitávamos porque se dedicavam à causa da Ciência, são agora trocados por observações empíricas e exercícios de curiosidades virtuais. Se antes os sábios tinham a certeza e a dúvida era parte integrante da ignorância, hoje a verdade está na ignorância, porque os sábios se cercam cada vez mais de dúvidas. Tudo bem à moda kafkiana. Tudo bem brasileiro.
É essa a visão de mundo na qual a sociedade terá que acreditar? E nessa avalanche de inseguranças, tão nitidamente exposta por um mal complexo e que o mundo todo está debruçado, que iremos crer que tudo será resolvido por vontades políticas, de vernizes populistas? Continuaremos a crer nas lideranças que se apossam da verdade bíblica dos versículos e fazem dela um instrumento de apropriação absoluta? Interessante que são justo essas lideranças que se perderam no enfrentamento do problema, porque menosprezaram e/ou fizeram dele, seu instrumento político. Seu palanque eleitoral. Quanta insensibilidade, despreparo e incompetência desses líderes, que não baixaram a crista e que ainda se negam a aceitar seus próprios erros. Claro que não, pois humildade não costuma ser anticorpo para a virulência dos atuais ofícios políticos.
Diante disso tudo, esses atores do caos continuam gerando crises diárias. Olhos abertos para as eleições, mas corações fechados para o sentimento de saber reconhecer suas próprias falhas. Chegam ao ápice do protagonismo de papéis desumanos. E ainda querem eleições neste ano, por maior que sejam os desgastes econômicos e sociais.
Como mero exercício, uma breve análise atual sobre um ponto que virou obsessão nacional: a corrupção. O purismo do discurso versus o comportamento animalesco de fraudar os recursos da saúde nesses tempos de guerra pandêmica.
O fato de qualquer denúncia de corrupção ainda resistir, por mais que apenas retrate uma amostragem da hipocrisia da sociedade brasileira, é algo bem característico. Pequenas manobras do tal “jeitinho” nacional são grandes exemplos que se exacerbam no exercício do poder. Claro que ninguém de bom senso deseja esse velho vício. Todos sabem que tratar com zelo o dinheiro público é obrigação “sine qua non:. O que não pode e nem deve ser é continuar na insistência pela perda do foco, desperdício de energia solidária, para se manter num mote de campanha, por mais que esse mal possa se repetir. Muitas vezes está na estrutura (por aquele DNA da sociedade) e, em outras vezes, na própria natureza de algum comandante. Infelizmente, é uma realidade geracional, que somente a educação e a cultura poderão dar solução mais à frente.
Desse fato, por essa razão genética e – ainda bem – pela força midiática que o assunto tomou com aquilo que foi o fato politico mais relevante da História recente (a operação Lava Jato), não dá mais para ficar batendo nessa mesma tecla. É preciso descer do palanque e entender que o problema hoje tem significado e solução, que até então eram atributos nulos. Absurdos que venham (e virão) de atos desabonadores de políticos cabem investigação e punição. Verdadeiros ou não, que sejam julgados e punidos pelas Cortes competentes no momento certo: na Justiça (pela sentença do Magistrado) e na eleição (pelo voto do povo).
Com base nesses pontos, particularmente, não me vejo mais como um “player” político desse jogo polarizado, que tanto mal tem trazido para este pobre País.
Eu, se já procurava ignorar a importância excessiva da ideologização, muito bem preservada pelo fanatismo dogmático exercido nas redes sociais, aqui confesso: ignoro mais ainda a resistência do palanque.
União, coragem e reinvenção são as palavras mágicas para encarar os desafios que se têm à frente. Essa é boa energia. Esse é o foco.
(*) Economista, Professor e Pesquisador. Foi Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura (2016), Secretário de Infraestrutura Cultural do Ministério da Cultura (1917/18) e Presidente da Fundação Joaquim Nabuco do Ministério da Educação (2019).
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco