PARA ONDE VAI O PATROPI? –
Nesta conversa, compartilho com o caro leitor algumas reflexões sobre fenômenos – ainda em gestação – do nosso tempo, no Brasil e no mundo; que vão muito além do que um dia se entendeu como esquerda e direita.
Começo com a desconfiança de que a crise atua como um agente radical que muda nossas escalas de referência e valor, a estrutura de nossas opiniões, nosso comportamento e mesmo nossos direitos e deveres.
Sob a pressão da crise, o mundo e o patropi se deslocam para fora da esfera do nosso poder de intervir. Vale dizer que, se participarmos de alguma batalha política ou se nos trancarmos em casa, isso não faz a menor diferença. A crise segue em seu caminho inexorável, a cada dia produzindo novos fatos e novas versões.
Tudo se exaure no momento em que o cidadão deposita seu voto na urna, com uma expressão de assentimento, e não de participação – agindo passivamente como outorgante de uma procuração para o seu representante; para apenas resmungar e se queixar durante o longo período entre uma eleição e outra.
Ou seja, o cidadão fica assistindo a distância ao que acontece com o seu consentimento individual.
O sistema político parece ter erguido uma ponte levadiça separando os cidadãos dos seus representantes, jogo no qual o cidadão perdeu o controle dos dispositivos de mudança, de conexão, da faculdade de o privado questionar o público, exigindo respostas.
O que testemunhamos é uma espécie de “mística da mudança” que evoca a mudança e, ao mesmo tempo, a adia; até que venha um dia mágico da chegada de um Redentor, que será capaz de purificar inteiramente o sistema, no qual – hoje – apenas alguns interferem e se protegem entre si.
Carecemos de líderes capazes de fazer um gesto individual que tenha significado universal.
Dentro desse emaranhado, preocupa-me sobretudo o desenvolvimento de um fenômeno inusitado que o saudoso sociólogo polonês Zigmunt Bauman (1925 a 2017) chamou de “novas desigualdades”.
O mais estranho é constatar que nossas elites não investem com prioridade em Educação e Segurança pública, com ações preventivas. São 40 milhões de jovens entre 15 e 24 anos que, segundo o levantamento do IBGE/PNAD, não estuda, nem trabalha, nem procura emprego.
É o esmagamento do futuro. Somos uma sociedade suicida?
Claro, sempre houve desigualdades em nossas sociedades. Mas, de algum modo os pobres eram resguardados pelo sentido do “todo”, que já não existe mais, ou foi consideravelmente enfraquecido.
Falo do sentimento de fazer parte de uma história coletiva de indivíduos, livres ao menos no campo jurídico, compartilhando uma visão comum de desenvolvimento e valores essenciais.
O que estamos vivendo atualmente, em contraste com o que havia, pode ser concebido como o fim do progresso como algo unificado de uma população. A diferença – o fosso – entre os que estão do topo e os que sobrevivem na base, entre os que são agentes proativos e os que são expelidos, é lamentavelmente evidente.
Fatias inteiras de gerações e frações de classes ou segmentos sociais estão afundando na crise, presas por precariedades crônicas que as impedem de assumir qualquer nova responsabilidade ou projeto de vida (como comprar uma casa ou ter filhos); e a expulsão do mundo do trabalho, como uma condenação permanente.
A exclusão é a nova forma de desigualdade, não apenas uma de suas consequências.
O mundo dos excluídos cresce diante dos nossos olhos diariamente. São pessoas que não são nem serão capazes de participar da sociedade, apenas flutuam em suas margens, com o sentimento ou a percepção de terem sido expulsas, descartadas.
Para elas, as portas da Democracia, fundada no trabalho e em direitos, estão fechadas. Mesmo que estivessem abertas, seriam as portas dos fundos, que só levariam aos andares inferiores, sem escadaria para o crescimento ou ascensão social. Pior que isso, o uso dessas escadarias é prerrogativa exclusiva dos outros, são instrumento de discriminação ou mecanismos de privilégios.
E foi assim que a tensão positiva que mantinha a sociedade em equilíbrio foi ou será quebrada.
O que preocupa é que as elites já não se sentem mais responsáveis por aqueles que sobrevivem no subsolo do Estado-nação. E isso nunca havia acontecido antes.
Os pobres não são nada. Nós fingimos que não existem, nós os evitamos não apenas do ponto de vista físico, mas politicamente também. São ex-cidadãos que não têm mais identidade, sobrevivem numa dimensão paralela, como se fora nos destroços de um naufrágio.
Diante dessa tragédia pós-moderna, uma pergunta não quer calar: para onde vai o patropi?
Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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