Após oito horas de depoimento do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, à CPI da Covid nessa terça-feira (8), senadores apontaram
O ministro da Saúde depôs pela segunda vez à CPI. Ele deu um primeiro depoimento à comissão em 6 de maio. Mas foi novamente convocado porque as declarações que deu foram consideradas pouco assertivas e contraditórias.
Senadores também avaliaram que fatos novos justificavam um novo depoimento, entre os quais a realização da Copa América no Brasil e o veto à nomeação de Luana Araújo como secretária de Enfrentamento à Covid-19.
Os congressistas ainda queriam insistir na avaliação de Queiroga sobre o uso da cloroquina no tratamento à Covid-19, cuja ineficácia já foi cientificamente comprovada.
No depoimento em maio, o ministro disse que não iria se manifestar a respeito pelo fato de o uso do medicamento estar sob análise da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), vinculada ao Ministério da Saúde.
Nesta terça, porém, Queiroga admitiu que a cloroquina não teve a eficácia cientificamente comprovada no combate ao coronavírus.
“Essas medicações não têm eficácia comprovada — não têm eficácia comprovada”, reiterou.
“Como médico, eu entendo que essas discussões são laterais e nada contribuem para pôr fim ao caráter pandêmico dessa doença. O que vai pôr fim ao caráter pandêmico dessa doença é ampliar a campanha de vacinação”, afirmou, referindo-se aos remédios ivermectina e cloroquina, usados como vermífugo e antimalárico, mas defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro no combate à Covid-19.
Queiroga também disse que os medicamentos dividem a classe médica entre as sociedades científicas, às quais ele se diz vinculado, e médicos que estão na linha de frente e relatam casos de sucesso com o tratamento.
“A mim, como ministro da Saúde, cabe procurar harmonizar esse contexto”, disse.
Apesar da mudança no tom, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que o ministro da Saúde “inaugurou uma nova etapa do negacionismo: o neonegacionismo”.
“Finalmente, admitiu a ineficácia da cloroquina, mas continua sem coragem de tirá-la das normas do Ministério da Saúde”, afirmou Calheiros.
Durante a audiência, foi apresentada uma sequência de vídeos do presidente Bolsonaro provocando aglomerações e aparecendo em público sem usar máscara.
Inicialmente, Queiroga disse que Bolsonaro não conversou com ele sobre essas atitudes.
“Eu sou ministro da Saúde, não sou um censor do presidente da República. Eu faço parte de um governo. O presidente da República não é julgado pelo ministro da Saúde. As recomendações sanitárias estão postas. Cabe a todos aderir a essas recomendações”, afirmou.
Depois, Queiroga disse que é “evidente” que orienta o presidente, mas que o comportamento dele é um “ato individual”.
“As imagens falam por si só. Eu estou aqui como ministro da Saúde para ajudar o meu país. É esse o meu objetivo. E não vou fazer juízo de valor a respeito da conduta do presidente da República”, reforçou.
O relator Renan Calheiros perguntou qual é a resposta apresentada por Bolsonaro quando o ministro trata desse assunto com ele.
“Quando ele está comigo, na grande maioria das vezes, ele usa máscara”, afirmou o ministro.
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz disse que Queiroga estava assumindo um papel “constrangedor”.
“É constrangedor o senhor, como ministro, orientar a população toda a ter os cuidados necessários, e o chefe maior da nação, que deveria ouvir o seu ministro de Saúde, não ouve. Então, é isto que nós queremos saber: como é que pode se fazer uma política, dentro do Ministério da Saúde, se a principal personalidade do Brasil não o ouve? Como é que o senhor pode convencer os outros se não consegue convencer a pessoa que teria de ser convencida primeiramente porque o nomeou?”, questionou Aziz.
Queiroga voltou a dizer que procura fazer a sua parte e que não iria fazer juízo de valor sobre a conduta do presidente.
Queiroga também comentou sobre a desistência de nomeação da médica Luana Araújo para a recém-criada Secretaria de Enfrentamento à Covid-19.
Segundo o ministro, a decisão de não nomeá-la partiu dele – posição diferente da relatada pela infectologista e pelo próprio ministro há duas semanas.
Em depoimento à CPI na semana passada, Luana disse que Queiroga havia lhe comunicado, com “pesar”, que seu nome não seria aprovado no governo, por isso ele não a efetivaria.
Queiroga afirmou no último dia 26 que para uma pessoa ser efetivada são necessárias a validação “técnica” e a “política”.
“Eu entendi que, naquele momento, a despeito da qualificação que a doutora Luana tem, não seria importante a presença dela para contribuir para harmonização desse contexto. Então, no ato discricionário do ministro, decidi não efetivar a sua nomeação”, afirmou.
Queiroga detalhou que a permanência da médica “não ia contribuir para harmonizar as questões que são discutidas acerca de tratamento inicial”.
A médica tem posição contrária ao tratamento precoce, defendido pelo presidente. À CPI, Luana chamou a discussão sobre a medida de “esdrúxula” e “delirante”.
A motivação apresentada pelo ministro para não nomear a médica foi contestada.
“Ministro, o senhor me desculpe. Vossa Excelência esteve aqui, disse que tinha autonomia no ministério e convida uma pessoa para trabalhar com o senhor. Se o senhor não quisesse ela, não teria nem encaminhado para a Casa Civil. Depois que o senhor encaminha para a Casa Civil que o senhor vai ver que tem divergência?”, questionou o presidente Omar Aziz.
Na mesma linha, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) disse ter “enorme dúvida” sobre a autonomia do ministro à frente da pasta.
“Um cargo dessa importância neste momento não é através de uma indicação política ou ‘desindicação’ política que é tratado, de maneira nenhuma. É preciso aquele que tem firmeza da sua autonomia defender o ponto de vista e dizer que não aceita nenhum tipo de interferência política numa solução desse problema e dessa importância”, reforçou.
O ministro, porém, disse que o presidente lhe deu autonomia para conduzir a pasta.
“Isso não significa uma carta branca para fazer tudo que quer, não existe isso. O regime é presidencialista. Até o momento, não houve nenhum ponto que me fizesse sentir desprestigiado à frente do Ministério da Saúde. Se isso acontecer, se eu achar que não posso trabalhar e cumprir a minha missão, eu vou agradecer e volto para o meu estado”, afirmou Queiroga
À CPI, Queiroga defendeu a realização da Copa América no Brasil e afirmou que há segurança para o evento caso os protocolos sejam seguidos.
Citou, entre esses protocolos, a testagem de estrangeiros que vierem ao país, o isolamento de atletas em hotéis, o uso de equipamentos de proteção e a manutenção dos estádios sem público.
Segundo ele, o torneio não acarretará “risco adicional” ao país porque não é um “evento de massa”.
“A Copa América é um evento pequeno, com um número pequeno de pessoas, e não é uma Olimpíada. Os protocolos apresentados ao Ministério da Saúde são seguros, permitem dizer que, se aquele protocolo for cumprido, não teremos riscos adicionais para os jogadores que participam dessa competição”, afirmou
O ministro ressaltou que, não havendo torcedores nos estádios, não haverá risco de maior aglomeração ou contaminação.
“O risco que a pessoa tem de contrair a Covid-19 será o mesmo com o jogo ou sem o jogo. A doença é uma doença pandêmica. Nós corremos riscos. Então, a ponderação é essa. Não estou assegurando que não há riscos, estou dizendo que não existe risco adicional”, disse o ministro na CPI.
O ministro da Saúde voltou a dizer que, até o fim deste ano, todas as pessoas acima dos 18 anos serão vacinadas contra a Covid-19.
Segundo Queiroga, o Brasil chegará à marca de 160 milhões de pessoas vacinadas em dezembro deste ano.
Os senadores Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros destacaram que, para isso se concretizar, o ritmo de vacinação precisa ser intensificado.
“Nas últimas 24 horas, 261.888 doses foram aplicadas. Nesse ritmo, demorará 978 dias para aplicar duas doses em todos com 18 anos ou mais, o que ocorreria somente em fevereiro de 2024”, afirmou Renan Calheiros.
“A média [diária] de vacinação está em 500 mil, 600 mil. Para nós alcançarmos essa meta [de vacinar toda a população vacinável] em outubro ou em novembro, nós precisaremos aumentar a média de imunização para 2,5 milhões por dia”, destacou Randolfe Rodrigues.
Marcelo Queiroga também declarou que o Brasil terá “alguma dificuldade” no recebimento de matéria-prima chinesa para produção de vacinas em julho e agosto.
Mas, segundo o ministro, no último trimestre deste ano a previsão é de chegada e produção de “volume muito grande” de vacinas.
O ministro da Saúde também disse que o governo federal, juntamente com os conselhos estaduais e municipais de secretários de saúde, terá de elaborar uma estratégia para aplicar 3 milhões de doses da vacina Janssen “em um prazo muito rápido”, sob risco de as vacinas perderem a validade.
Segundo o ministro, o prazo de validade das vacinas — que o Brasil está prestes a receber — se encerra no próximo dia 27, e a chegada das doses ao país ainda depende de posicionamento da Food and Drug Administration (FDA), agência de vigilância sanitária norte-americana.
“Em relação à questão da Janssen, é procedente [a informação de que a vacina chega próxima da data final de validade]. É um prazo mais curto. Isso foi pactuado com o PNI (Programa Nacional de Imunizações), com o Conass e Conasems [conselhos nacionais de secretários de saude estaduais e municipais], e entendemos que temos de fazer uma estratégia para aplicar essas 3 milhões de doses num prazo muito rápido, para não correr o risco de vencer vacinas. O prazo é 27 de junho”, afirmou Queiroga.
A vacina da Janssen, do grupo Johnson & Johnson, é de dose única. A temperatura de armazenamento e transporte da vacina também não oferece desafios à logística, uma vez que pode ser mantida entre 2ºC e 8ºC em por até três meses.
Fonte: G1
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