Samuel, 22 anos, tez morena, ensino médio concluído, arrimo de família, integrante do sistema carcerário brasileiro, foi preso por assalto à mão armada, condenado e trancafiado num dos presídios rebelados em 2017.
Foi um julgamento sumário. Tão logo de posse da peça acusatória, o juiz na ânsia de anular mais um predador da sociedade, e para não desmerecer a fama de julgador linha dura, foi inclemente na decisão judicial:
– Como demonstram os autos, o apelante foi reconhecido pela vítima que descreveu, em detalhes, como ocorreu a conduta criminosa. Nos crimes cometidos na clandestinidade, a palavra da vítima tem valor de destaque na prova e possui o condão de embasar o édito condenatório. A pena foi estabelecida pelo Juízo a quo na mais estrita observância do artigo 157, parágrafo 2º, incisos I e II do Código Penal – Assalto à Mão Armada, pelo que nada deve ser modificado no julgado ora impugnado.
– Doutor juiz, vocês vão me deixar lá e me esquecer. Três anos e quatro meses, em regime fechado, é muito tempo para o crime que eu cometi. Tudo o que falei pode ser comprovado, mas nada foi levado em conta no processo. Eu prometo arrumar minha vida, para tanto basta um emprego. Pelo amor de Deus, não me condene à morte!
Em seu desespero, Samuel chamara a atenção do juiz para fatos desprezados na sentença exarada, tais como: não ter havido agressão física, de ele ser réu primário não usuário de drogas e de não utilizar arma de fogo – a pistola encenada no ato foram os dedos anular, indicador e polegar da mão direita, em riste, escondidos no bolso da jaqueta de brim, apontados para o caixa da farmácia.
E mais: ele não encobrir o rosto para impedir a identificação, se apossar apenas de R$ 50,00 para as necessidades do momento, apelar à vítima dizendo “por favor, atenda, pois não desejo machucar ninguém”, atitudes que embasariam o amadorismo do acusado. Porém, priorizou-se a ação criminosa… E pronto!
Não afeito aos meandros diabólicos do cárcere, o jovem aprisionado serviu de porta-voz para ala insatisfeita de apenados, endereçando cartas para autoridades constituídas criticando desmandos diversos e ações impróprias praticadas por agentes penitenciários. Foi o suficiente para ficar na mira daqueles a quem acusara, como persona non grata ao sistema.
Dona Sebastiana, a mãe de Samuel, ao reconhecer o corpo do filho único sendo transportado esquartejado como um animal abatido, caiu num pranto inconsolável. Em entrevista a uma rede de televisão, desabafou:
– Ele não merecia esse destino. Samuel estava desempregado há dois anos. Naquela noite tentou arranjar dinheiro para botar alguma comida dentro de casa. Havia tentado esmolar na rua, mas sua aparência não convencia a ninguém.
Repórteres localizaram o meritíssimo juiz autor da sentença de pronúncia de Samuel, explanaram o desfecho daquele caso e perguntaram-lhe:
– O senhor não acha que decretou a sentença de morte do rapaz?
– Tudo não passou de um infeliz acidente. Cuidar do apenado é função do Estado. Ao juiz cabe, tão somente, interpretar e aplicar a Lei!
Em cada cabeça uma sentença. E se fôssemos nós os arrolados para funcionar como jurados no caso Samuel, qual seria a nosso veredicto? Culpado ou inocente? Manteríamos a pena do juiz ou aplicaríamos uma outra alternativa menos sinistra? Daríamos-lhe o direito à vida ou o condenaríamos à morte pelo crime cometido?
José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil.