PENSAMENTOS-
RADICALIZEI – Radicalizei, cortei tudo que não me acrescia, desconectei pessoas e coisas que só me faziam lambanças. Aquelas entaladas, umas eu escarrei, outras engoli apesar do mal-estar causado. Porém, nada que um sal de frutas não curasse. Nas caminhadas fui deixando para trás o que não me fazia bem nem me faria mal.
Na minha dieta agora entram somente coisas saudáveis que nutram o meu corpo e minha alma. Depois de alguns quilos de mágoas e de angústias, estou à base de vitaminas de amor e cereais de afeto.
Dos livros da estante, os de autoajuda e drama deram lugar aos romances e as aventuras; no baú das relíquias do passado coloquei o perdão e tirei as dores. Limpei os momentos bons, recordei-os com saudade e os recoloquei onde estavam.
O meu guarda coisas se esparramou ao abri-lo. Tudo bem! Só escapuliu o que me sufocava. Aqueles trecos que apenas faziam volume e não serviam para nada.
Ainda falta arrumar a geladeira, mas, por hora é preciso descongelar as injustiças, os rancores e os ressentimentos. Ver se expirou o prazo de validade de alguns produtos, ali contidos, para jogá-los no lixo dos inservíveis ou não recicláveis.
MIRAR-TE – Mirem-se naqueles olhos flamejantes de segredos. Mas, quem ousará mirar aqueles olhos de ressaca, que a tudo busca sem nada deixar? Olhos acautelados pelos desalumiados pensamentos escarnecendo as mais risonhas pretensões.
Os olhos, sim, eles capinam os pensamentos de quem lhes fitam, descompactando os sentidos despercebidos entre mãos e fios, entre os toques suaves das madeixas soltas, marcadas pelos dedos longos, escrevendo a poesia de cada cena.
Olhos de ressaca, emoldurados por negras melenas adornadas de lés a lés pelos lábios empapuçados da doce cana caiana, carnudos defronte a nudez de tuas palavras jocosas e soltas. Enigmas.
Olhos ébrios de gargalos insanos, verdades dúbias em bocas surdas, entrelaçadas de cordas noturnas em duvidosas auroras rosa alaranjada. Cada canto entoado pelos ventos suaves das fantasias, todas vistas e espreitadas, amenas, entre o divino e o profano.
Quem há de mergulhar na profundeza da tua alma, na ressaca dos teus lumes? Quem há de mirar-te se não tu mesmo?
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora