Todos com todos
Bolsononaro iniciou seu governo brandindo a “nova política”. Tentou fechar o STF. Só não o fez por oposição do Alto Comando do Exército que votou contra. Ao sentir cheiro de impeachment aproximou-se do Centrão. E os “centristas” abocanharam cargos de segundo e terceiro escalão em ministérios e estatais. Avançaram, posteriormente, na conquista de várias lideranças do governo no Legislativo.
Eis que Bolsonaro em uma atitude surpreendente, arrasta o Judiciário para a promiscuidade institucional triangular. Indica Kassio Nunes para ser o novo ministro do STF. Chama atenção a forma como o fez bem como o conteúdo das prováveis negociações. Já havia uma tradição, pouco republicana, do indicado peregrinar diante dos gabinetes senatoriais em busca de apoio. Bolsonaro foi além. Carregou Kassio à tiracolo e o levou para um beija-mão à noite na casa de Gilmar Mendes. Embora o presidente do STF fosse Luiz Fux. Bolsonaro reconheceu ser Gilmar o presidente de fato da Corte Magna. Nesta reunião noturna estavam presentes Dias Toffoli e David Alcolumbre. Este apoiaria a aprovação do nome de Kassio no Senado em troca da adesão do Executivo a sua reeleição à presidência do Senado. No outro dia, jantar na casa de Toffoli. Os três e outros comeram pizza (sic) e assistiram ao jogo do Palmeiras. Fica a aparência de que o Judiciário está fazendo pactos sobre assuntos que vai julgar. Lembrando que Bolsonaro é investigado pelo STF.
Kassio já conseguira o apoio do PT, em especial do governador do Piauí, e do presidente da OAB, um socialista de carteirinha. Sem falar que o presidente nacional do PP do Piauí, denunciado por corrupção pela Lava Jato, foi quem indicou o nome de Kassio ao Presidente. Com o apoio de Flavio Bolsonaro. Portanto, as elites políticas, salvo exceções, apoiaram a indicação do mesmo. Elas costumam se entender pelo alto, e as migalhas ficam com os ingênuos que se digladiam nas redes sociais. O PT exulta silenciosamente, para não deixar o Presidente em uma situação desconfortável. Aposta que Kassio considerará ter Moro agido parcialmente no julgamento de Lula no caso do triplex. Seria, neste caso, inocentado. O PT já diminuiu seus ataques a Bolsonaro bem como os outros partidos de esquerda. Um acordo de “todos com todos”.
Ante tantos nomes conservadores por qual motivo Kassio foi o ungido? Ele chegou ao posto de desembargador pela via do quinto constitucional, popularmente conhecido por “quinto dos infernos”. Para entrar no Judiciário não é preciso ser juiz ou fazer prova pública, basta ser indicado corporativamente pela OAB ou Ministério Público. No caso, Kassio foi nomeado por Dilma Rousseff. Agora contou com o apoio até mesmo de Collor. Kassio é da corrente “garantista” o que agrada Gilmar na sua luta contra a Lava Jato. Gilmar e Bolsonaro possuem um rival comum: Sergio Moro. Feri-lo, praticamente, o tiraria da disputa pela eleição presidencial de 2022 e sangraria voluptuosamente a Lava Jato.
Afora isto, Gilmar é o relator da ação que questiona o foro especial concedido ao senador Flavio Bolsonaro pelo Tribunal de Justiça do Rio no caso das “rachadinhas”. O caso estava na primeira instância, mas a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio decidiu remetê-lo a órgão especial. Alega que Flavio, mesmo não sendo mais deputado, segue parlamentar e por isso mantém a prerrogativa de foro. O Ministério Público do Rio recorreu e aguarda decisão do STF. Afinal, queremos leis que governem os homens ou homens que governem as leis?
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. Autor do livro “FHC, Forças Armadas e Polícia – Entre o Autoritarismo e a Democracia” (2005, ed. Record)