O Plebiscito chileno –

O Chile acaba de aprovar plebiscitariamente a redação de uma nova Constituição. Por ampla maioria de 78% de votos favoráveis. O último plebiscito constitucional ocorreu em 1980 durante o governo do general Pinochet. Na época, o resultado do mesmo foi contestado pela oposição. Agora, todos os atores envolvidos reconheceram a lisura do pleito.

É um equívoco dizer que a aprovação de redação de uma nova constituição servirá para enterrar a constituição pinochetista. De fato, a atual constituição é oriunda do regime militar, mas passou por várias emendas constitucionais ao longo do tempo. Em especial durante a exitosa presidência socialista de Ricardo Lagos. Sua assinatura aparece ao final do texto constitucional de 2005. O texto de 1980 foi redigido para manter os setores mais conservadores da sociedade no poder e exigia um elevado quórum para mudanças substancias na Carta Magna. A grande eminência jurídica do regime militar, o senador Jaime Guzman, idealizou a constituição no sentido de que “se nossos adversários chegarem a governar, se vissem restritos a seguir uma ação não tão diferente à que nós mesmos desejaríamos”. Guzman terminou assassinado por um comando esquerdista.

As mudanças, por tanto, demoraram para serem feitas pois a direita na época não concordava com um processo constituinte exclusivo por achar que as feridas políticas ainda não estavam cicatrizadas. O fato é que Lagos conseguiu, com apoio do Congresso, extinguir vários enclaves autoritários insculpidos no texto constitucional. Ao contrário da Constituição Brasileira de 1988 que teima em manter vivos vários destes enclaves. A constituição pinochetista, por exemplo, inspirou-se no autoritário, embora legal, artigo 142 da nossa Carta Magna ao conceder às Forças Armadas o papel de garante da ordem institucional da República. Este artigo foi abolido pela constituição chilena de 2005 por ser incompatível com uma democracia. Por aqui, este artigo continua intocável.

Também foram extintos os nove senadores “designados” entre os quais figuravam quatro ex-chefes do Exército, Marinha, Aeronáutica e Carabineros (o equivalente à nossa Polícia Militar). Bem como os senadores vitalícios como era o caso de Pinochet que renunciou após retornar ao Chile vindo de 503 dias de prisão domiciliar em Londres. Foi conferida ao Presidente da República a autoridade para remover de suas funções os comandantes militares e de Carabineros. Já o Conselho de Segurança Nacional passou a ser convocado pelo Presidente da República e não mais pelos chefes das Forças Armadas. O Tribunal Constitucional cuja função é dirimir conflitos entre os poderes do Estado, perdeu o representante das Forças Armadas. E o Conselho de Segurança Nacional – encarregado de enfrentar possíveis ameaças à segurança do país – passou a ser convocado pelo Presidente da República e não mais pelos chefes das Forças Armadas.

Sob a perspectiva das relações civis-militares e eleitoral o Chile é uma democracia consolidada. Lagos, ao contrário de FHC que patrocinou a emenda da reeleição estando no poder, trabalhou pela aprovação de uma emenda constitucional proibindo a reeleição imediata do Presidente e encurtamento do mandato presidencial de seis para quatro anos.

Com os principais enclaves autoritários solucionados e a alternância no poder normalizada o que os chilenos almejam é um Estado mais social. Ou seja, um ente capaz de garantir-lhes melhores serviços básicos na saúde, educação, proteção social e diminuição da desigualdade de renda. Falta saber quem redigirá os termos da nova constituição, já que a constituinte será exclusiva. Então poderemos com mais acuidade prever o futuro da política chilena e se os novos constituintes serão capazes de torná-la possível e não apenas utópica.

Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. 

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