E agora? –
No início de abril de 2018, o general Villas Bôas, então comandante do Exército, publicou um tuíte. Pressionou o STF a não conceder habeas corpus a Lula. Naquele momento, apenas o ministro Celso de Mello protestou contra esta interferência indevida. Seus colegas fizeram cara de paisagem. Três anos depois, o ministro Fachin acordou de longo sono e resolveu questionar o general. A resposta do mesmo foi curta e debochada: “Três anos depois”.
Fachin voltou a despertar para novo episódio. Ele esteva à frente de quatro processos envolvendo Lula, por quatro anos. A defesa do ex-presidente vinha, reiteradamente, alegando que a 13ª Vara Federal do Paraná não era o foro adequado para julgá-lo. Tais pedidos foram rejeitados em várias instâncias da Justiça — entre elas, o STF. Por que só agora Fachin voltou a acordar de longo sono? Por que se prontificou a tamanho desgaste quando poderia levar o caso, dado sua envergadura, para o plenário do Supremo? Quem pagará por toda a dinheirama dispendida nos julgamentos já ocorridos? E o tempo e a energia consumidos? A insegurança jurídica atingiu seu mais alto patamar no país. Estaria o Supremo se tornando uma Assembleia Constituinte permanente? Paira sobre o país uma zona cinzenta entre a democracia e o autoritarismo. O STF precisa ser uma corte muita mais respeitada do que temida. Do contrário, a falta de legitimidade será crescente.
Como lembra Janaina Paschoal, “se é difícil você mudar uma sentença com embargos de declaração, que dirá anular quatro processos”. Com uma monocrática canetada. Embargos de declaração são recursos com a finalidade específica de esclarecer contradição ou omissão ocorrida em decisão proferida por juiz ou órgão colegiado. O que não foi, salvo engano, o caso em tela. Por isso a deputada arrematou que “é como se o Direito tivesse sofrido um estupro”. Fachin teria exorbitado.
Qual foi o suposto cálculo político de Fachin? Talvez não tenha avaliado as consequências de sua decisão. O presidente do Clube Miliar, general Eduardo José Barbosa, reagiu com uma dura crítica a Lula, ao STF, e a políticos em geral. Segundo a nota, “lugar de ladrão e na cadeia… Mas, não no Brasil, onde aqueles que julgam são alinhados políticos daqueles que são julgados. Toda a comunidade criminosa do país e seus aliados — mundo afora — devem estar festejando a vitória do banditismo”.
O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro da Comissão da Anistia, órgão vinculado ao gabinete da ministra Damares Alves, foi além e afirmou que “o STF feriu de morte o equilíbrio dos Poderes, um dos pilares do regime democrático e da paz política e social. A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas (FA) serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”.
O vice-presidente Hamilton Mourão seguiu linha similar: “o equilíbrio de Poderes na nossa democracia está rompido. O Judiciário está com um poder acima dos outros dois e, consequentemente, isso leva a uma instabilidade jurídica”. O Senado Federal pode ajudar a restaurar este equilíbrio caso passe a exercer seu poder constitucional em relação ao STF. Há inúmeros pedidos de impeachment de ministros do STF, contudo seguidos presidentes da Casa negam-se a pautá-los. É melhor que o Senado aja rapidamente, antes que outro poder o faça. Inexiste democracia com Suprema Corte fechada. Contudo, do modo como o STF age, muitas vezes ao arrepio da lei, e sem controle parlamentar, também não configura existência de democracia. E agora?
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco
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