O ódio que nos cega
Qualquer eleitor tem o direito de odiar e almejar tirar Bolsonaro da presidência. Desde que este ódio não impeça debates que possam aprimorar o desempenho de nossas instituições. E que não se propague fake news.
Há na praça uma boa proposta: voto eletrônico juntamente com voto auditável em papel. Merece um bom debate técnico. Contudo, como a proposta é apoiada por Bolsonaro, o ódio ideológico impede que a discussão prospere. Embora ela seja apoiada pelos presidentes do PDT, PSB e Aécio Neves.
Em 2005, a urna eletrônica foi considerada inconstitucional na Alemanha por não garantir a devida transparência do voto. Não houve alguma denúncia de fraude nas eleições alemães para que tal medida fosse tomada. Questão preventiva e conceitual. Este argumento dos juízes alemães não é aceito no Brasil. Pelo contrário, juízes de nossa Suprema Corte articulam-se com parlamentares para derrotarem a emenda da deputada Bia Kicis. Extrapolam suas funções de magistrados portando-se como agentes políticos. E o pior: poderão vir a julgar a constitucionalidade da PEC caso a mesma seja aprovada. O deputado Ricardo Barros já alertou que chegará um momento em que as decisões do STF não serão cumpridas. Rami Efrati, que já chefiou a divisão civil do Cyber Bureau de Israel, diz ser contra o voto eletrônico por não ser 100% confiável. O fato é que apenas Brasil, Butão e Bangladesh fazem uso da urna eletrônica.
Li no Jornal do Commercio (1/7/21) artigo intitulado “Em defesa das Forças Armadas” da lavra de Raul Jungmann. O título era o mote para o autor descarregar sua ira contra Bolsonaro: era ele quem ameaça as Forças Armadas como instituição de Estado. Jungmann citou a assinatura do Decreto no. 10.727 que aumenta a presença de militares no governo ao liberar a participação deles no governo por tempo indeterminado. O texto também modifica o Estatuto dos Militares ao autorizar que militares federais não tenham que passar para a reserva após dois anos em cargos antes considerado civil.
É lamentável pois as transições latino-americanas para a democracia procuraram desmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentrarem em sua atividade extroversa, ou seja, a defesa das fronteiras do Estado. É verdade que isto nunca foi feito por inteiro no Brasil. Bolsonaro, contudo, ao editar tal Decreto nos aproxima de uma republiqueta de bananas. Remilitariza a política para novos patamares. Sem contar, dentre outros motivos, a cizânia que isto provocará na caserna pois afetará o quadro de promoções.
Só que ao contrário do que foi escrito no artigo, tal Decreto não foi empurrado pelo Presidente goela abaixo sobre as Forças Armadas. O mesmo foi, também, assinado pelo ministro da Defesa, General Braga Netto que o negociou com os comandantes das três forças. Muitos militares gostaram de voltar à ribalta política, e querem continuar nela indefinidamente. Simples assim.
Publicado originalmente em O PODER, 6/7/21
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco
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