1- É sempre assim. O medroso adora espezinhar os mais fracos. É um modo de tentar mostrar que detém poder. Contudo, quando é confrontado com um poder maior que o seu, afina.

O senador Osmar Aziz, reiterada vezes, constrangeu depoentes que não revelavam o que ele queria. Agora chegou ao cúmulo de mandar prender Roberto Dias por falso testemunho embora ele não fosse investigado. Erro crasso.

Com a nota das Forças Armadas contra sua atuação, Aziz mudou, de imediato, seus modos. Está um gentleman. Que outra instituição seria capaz de mudar o comportamento de Aziz?

2- Osmar Aziz vinha passando por cima das garantias individuais dos depoentes que se recusavam a colaborar com o seu jogo político. O fazia desavergonhadamente. Prova de que vivemos numa clara democracia iliberal. Ninguém parava a trinca da CPI. Até que Aziz resolveu, na sua prepotência, mexer com as Forças Armadas.

Estas lhe deram um peteleco na orelha de modo pouco democrático. Ardeu. Nem apoio de Rodrigo Pacheco, o presidente da CPI obteve. O fato é que no dia seguinte, Aziz se comportou como uma dama na CPI. E o Comandante da Aeronáutica escalou ao, posteriormente, dizer: “nós não enviaremos 50 notas para ele (Omar Aziz). É apenas essa”.

A tragédia é que dois erros não fazem um acerto.

3- Decreto militarista

Na antiga Europa Oriental, o controle civil sobre os militares era civil, mas não democrático. Os militares estavam submetidos ao controle dos partidos comunistas. O desafio das transições do autoritarismo comunista para a democracia foi despolitizar os militares. Na América Latina, não há como regra um controle civil e democrático efetivo sobre os militares. As transições latino-americanas procuraram desmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentrar na atividade extroversa, a defesa das fronteiras do Estado.

Contudo, no Brasil, desde 1985 os presidentes, variando em intensidade, devem medir continuamente a reação dos militares antes de tomar certas decisões políticas. É o que chamo de “democracia tutelada”. Ela varia em intensidade a depender da fragilidade do poder civil. Em suma, nunca houve uma democracia plenamente consolidada no país.

Enganam-se os que escrevem que os militares pós-1985 tenham se afastado inteiramente da política. A presença deles na segurança pública é algo regular e crescente. A ponto de policiais militares terem se transformado juridicamente, a partir do governo FH, em militares estaduais. Lembrando que as PMs, tal qual no regime militar, continuam a ser parcialmente controladas pelo Exército. Algo inexistente em países democratas, onde fica clara a separação entre polícia e Forças Armadas. Entenda-se por militarização o processo de adoção e uso de modelos militares, conceitos, doutrina, procedimentos e pessoal em atividades de natureza civil.

A diferença entre o comportamento do presidente Bolsonaro e de seus antecessores é de espécie, e não de gênero. Bolsonaro, todavia, vem maximizando o poder militar no governo. Com isso, piora ainda mais a baixa qualidade da nossa (semi)democracia. Ao contrário de outros presidentes, Bolsonaro colocou vários militares da ativa em seu ministério e nomeou cerca de 6 mil, entre os da ativa e os da reserva, no aparelho de Estado. É uma clara manobra corporativa.

Não satisfeito, editou o Decreto 10.727, liberando a participação de militares no governo por tempo indeterminado. O texto também modifica o Estatuto dos Militares, ao autorizar que militares federais não tenham de passar para a reserva após dois anos em cargo antes considerado civil. Por esse decreto, passam a ser tidos como cargos de natureza militar os exercidos no STF, nos tribunais superiores, no Ministério da Defesa e nos órgãos que integram sua estrutura regimental, na Advocacia-Geral da União, na Justiça Militar da União e no Ministério Público Militar. A regra vale também para militares do Exército colocados à disposição da Fundação Habitacional do Exército, da Fundação Osório e da Indústria de Material Bélico do Brasil.

Idem para os cargos e funções exercidos por militares da Marinha colocados à disposição do Ministério de Minas e Energia, da Caixa de Construções de Casas para o Pessoal da Marinha, da Empresa Gerencial de Projetos Navais, da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A., do Tribunal Marítimo, da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. e das Indústrias Nucleares do Brasil S.A. O decreto atinge ainda cargos exercidos por militares da Aeronáutica à disposição da Caixa de Financiamento Imobiliário da Aeronáutica. Tal decreto afetará, entre outras coisas, as promoções nas três Forças, podendo provocar cizânia interna.

O decreto acaba de entrar em vigor sem provocar debates no Congresso. A militarização é crescente quando os valores das Forças Armadas se aproximam dos valores da sociedade. Consequentemente, quanto maior o grau de militarização, mais tais valores se sobrepõem. Numa prova de que o militarismo é um fenômeno amplo, regularizado e socialmente aceitável, tanto pela classe política como pela população em geral.

 

 

 

 

 

 

Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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