A corda vai esticando –
Desde 1988, a Marinha faz exercícios de adestramento em Formosa município de Goiás situada a 80 km de Brasília. As tropas oriundas do Rio de Janeiro passam por Brasília. Mas, nunca, parte delas, foram desviadas para desfilarem na praça dos Três Poderes e pela Esplanada dos Ministérios. Esta ideia inusitada teria partido do Comandante da Marinha que a propôs ao Ministro da Defesa e este ao Presidente da República. Ambos acataram a sugestão. O convite ao Presidente sempre foi feito de um modo protocolar. Qual a necessidade de deslocar 150 blindados para entregar o convite à Bolsonaro?
Naquele mesmo momento, a Câmara de Deputados se reunia para apreciar o Projeto de Emenda Constitucional que previa a alteração da urna eletrônica. Com previsão de derrota desta PEC, pode-se concluir que Bolsonaro tentou constranger os parlamentares a mudar de opinião. A PEC foi rejeitada, contudo, o número de deputados favoráveis ao governo excedeu aos que se opunham ao mesmo.
O poder civil mostrou-se coeso. Além dos presidentes dos poderes da República não terem comparecido à “parada militar”, a Câmara de Deputados confirmou a derrota da PEC e em seguida o Senado votou pelo fim da LSN, entulho autoritário que durou por quase trinta anos. O STF fez cara de paisagem. Ficou claro a inviabilidade de um “golpe brumariano” como o de 1964 no Brasil, 1973 no Chile e 2013 no Egito. Não há partido político disposto a abdicar de seu poder em troca da proteção castrense, como fizeram Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek. Concordaram em entregar o poder às Forças Armadas em troca da retirada de João Goulart da liça eleitoral. Foram surpreendidos com um golpe dentro de um golpe. Este sim de característica, exclusivamente, militar.
A falta de articulação política do governo com seu entorno militar fico evidenciado. O Comandante do Exército participou a contragosto da solenidade. Foi avisado de última hora. O Comandante da Aeronáutica é um ponto de interrogação. Há alguns dias, deu uma entrevista insinuando o uso da força militar. Posteriormente, convidou o ministro Gilmar Mendes para um almoço. Nenhum dos dois fez qualquer comentário sobre o repasto bem como sobre a parada militar.
Chamou a atenção a ausência do Vice-Presidente da República que não foi convidado por Bolsonaro para a solenidade. No mesmo horário Mourão aceitou o convite do ministro Fux para uma conversa. O ministro queria saber se os militares estavam dispostos a dar um golpe. Bolsonaro, por sua vez, acredita que Mourão e o STF articulam seu impeachment para colocar o general em seu lugar.
A correlação de forças no mundo político e militar não era favorável para Bolsonaro. Contudo, o ministro Moraes deu um presente político ao Presidente ao decretar, monocraticamente, a prisão de Roberto Jefferson, de duvidosa legalidade. Bolsonaro, rapidamente, anunciou que pediria o impeachment de Barroso e Moraes e esticou a corda em direção ao presidente do Senado. Já não se sabe quem age e quem reage.
Publicado originalmente em O PODER, 17 de agosto de 2021
Jorge Zaverucha – Mestre em Ciência Politica pela Universidade Hebraica de Jerusalém, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago; Professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFPE
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