1- O grande cientista político Guillermo O´Donnell, pioneiramente, desenhou o mapa dos Estados Unidos de várias cores. Entre outras coisas, queria mostrar como o comportamento do Estado variava ao longo do país. Nova Iorque, por exemplo, não era o mesmo que Iowa.
Derrubava a ideia de os EUA serem um estado monolítico, como diz o senso comum.
Lembrei-me dele, que Deus o tenha, ao constatar que o resultado da perícia oficial da polícia de Minneapolis foi distinto da perícia particular solicitada pela família de George Floyd. Isto é comum de acontecer nas polícias de alguns estados brasileiros (lembro o caso de Vladimir Herzog).
Já foi criado do léxico norte-americano o termo “brazilianization of US”, para retratar o processo em que a renda vai cada mais vez se concentrando nas mãos de uma elite, em detrimento das classes média e baixa.
Os EUA estariam deixando de ser retratados como um trapézio e caminhando para uma forma piramidal.
2- A Guerra Fria entre os EUA e a URSS foi também chamada de “Equilíbrio do Terror”. Ou seja, cada país procurava aumentar seu poder dissuasório perante o outro, espionando-se e competindo mutuamente no controle das armas.
Deste modo, havia uma escalada nuclear gerando o terror na humanidade (caso uma das potências resolvesse apertar o botão vermelho). Até que Ronald Reagan resolveu investir bilhões de dólares no desenvolvimento tecnológico da capacidade militar norte-americana de atacar e contra-atacar a retaliação soviética.
Com as finanças combalidas, o Kremlin não conseguiu acompanhar o avanço americano, e optou pelo acordo nuclear. Ficou provada a antiga máxima latina: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra.”
Celso de Mello escalou a disputa contra Bolsonaro. Foi avisado de um possível shutdown do STF, caso insistisse em querer “confiscar” o aparelho do Presidente. Sentiu o cheiro de pólvora no ar e retrocedeu. Acatou a decisão de Aras. E saiu de fininho.
O art. 142 foi usado sem que fosse preciso Bolsonaro dar um tiro sequer, ou violar formalmente a Constituição.
Mas o mindset da grande maioria dos juristas não consegue perceber que o jogo real é feito não apenas de sopa de letras. A manutenção da dubiedade do art. 142 foi uma imposição do General Leônidas. Ou seja, conseguiu colocar o poder militar dentro de um arcabouço legal.
Ademais, isto já estava insculpido na Constituição de 1946. E o equivalente ao referido artigo foi usado em 1964.
3- Em 11 de junho de 1964, Ulysses Guimarães votou em Castello Branco para Presidente da República. Em 1988, teve destacada atuação na redação da Constituição de 1988. Ao final dos trabalhos, afirmou que seria traidor da Pátria quem violasse a Constituição.
Pois não foi o próprio Ulysses, juntamente com Nelson Jobim, quem introduziu, à socapa (ou seja, sem que seus colegas constituintes tomassem conhecimento), artigos na redação final da Constituição? E depois, veio ditar regras “democráticas”.
Esta é a cara da elite política. Não possui ethos democrático. O que estamos vivenciando hoje é fruto de uma sementinha plantada lá atrás. E estas pessoas ainda se consideram democratas e seus adversários seriam autoritários.
Como diz Mark Twain: “É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas”.
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. Autor do livro “FHC, Forças Armadas e Polícia – Entre o Autoritarismo e a Democracia” (2005, ed. Record)