PENSEI QUE SERIA RÁPIDO! –

Pensei que seria rápido! Como um corte no pé após uma topada. Ou um arranhão no braço feito pela maçaneta. Pensei que seria rápido como os dias estavam passando nos últimos meses… ou anos. Acorda, faz café, chama filho, troca roupa, deixa filho na escola, vai à academia, deixa filho na faculdade, toma banho, almoça com o marido, prepara aula, leva marido ao trabalho, pega filho na faculdade, pega filho na escola, prepara aula, corrige prova, vai ao trabalho, vai à reunião, visita uma amiga, toma café com uma amiga, pega marido no trabalho, sai com o marido, vai ao cinema com o marido, leva Pretinha para banho, anota na agenda que precisa pedir carne no açougue, acabou o sucrilho, acabou o condicionador, acabou dipirona, acabou café descafeinado, precisa comprar presente do amigo do filho, precisa encomendar bolo para a reunião do fim-de-semana, precisa decidir qual reunião iremos – assim decidimos qual reunião faltaremos, acabou o barbeador. Acabou a semana… Acabou o mês… acabou o ano… Chegou o coronavírus.

Chegou leve e silencioso e nos pegou de surpresa. Estávamos em meio aos planos de nossa lua-de-mel. Ensaiada lua-de-mel. Não viajávamos só nós dois desde o momento que deixamos de ser eu a esposa dele e ele meu esposo e passamos a ser o pai e a mãe de. Sim, perdemos parte da identidade numa mudança deliciosa de postura, de papel. Em muitos momentos deixei de ser chamada de Bárbara e passei a ser conhecida como a mãe de João Victor, a mãe de Felipe.

Queríamos viajar sozinhos e nos faltava coragem. Enfim, decidimos fazer isso. Compramos passagens, reservamos hotel, fizemos roteiro, organizamos rotina como se eles tivessem 5 anos de idade. Minha mãe se propôs a mudar-se para nossa casa. Meu pai se ofereceu para ajudar com a rotina. Já temos a ajuda do ifood, do uber e das comidas congeladas. E faltando 2 meses para a viagem vemos nos jornais as primeiras notícias de um vírus respiratório. Algumas mortes. Dificuldade em restringir as vítimas a um local restrito. Vimos falar em idosos e comorbidades sendo o maior número de óbitos. Mas, estava longe. E, na inocência de quem não percebe o ladrão se aproximando para roubar sua bolsa, continuamos nos planos.

Início do ano, matrículas, grades curriculares, resultados de Enem, esposo volta aos bancos da faculdade, filho decide cursar duas faculdades, filho decide voltar ao violão, preciso comprar pão, preciso emagrecer, preciso comprar mala, preciso marcar assento, preciso deixar aulas prontas, preciso organizar planner, organizar agendas, fazer mala. Viajamos. E o vírus também viajava. Bem mais rápido que nós, certamente. Se alastrava por outro continente enquanto eu passava incansavelmente álcool gel em nossas mãos a cada entrada e saída de metrô.

Passamos uma semana maravilhosa. Revimos lugares que gostamos, comemos em restaurantes que sonhávamos, andamos a pé como um casal de namorados com a tranquilidade que nossos filhos estavam bem, falando conosco pelo Whatsapp constantemente, vivendo a rotina desgastante e saudável dos dias um após o outro como sempre foram.

Ao chegarmos ao aeroporto para retornar começamos a escutar mensagens de 5 em 5 minutos sobre os sintomas. A tosse. A febre. A dificuldade em distinguir de uma gripe comum. Estávamos voltando e a ansiedade já começava a nos angustiar um pouco. Não tanto, talvez ainda amadoramente ou, olhando agora, ingenuamente.

Então chegamos em casa, à rotina de sempre, e logo depois veio o carnaval. E o vírus parecia longe de nós, de nossa realidade. Não tão longe. Os números de vítimas já cresciam assustadoramente. As imagens na TV, as manchetes nos jornais. Víamos relatos de óbitos não mais com 1 ou 2 dígitos, mas 3 dígitos todos os dias. Em vários países.

Começamos a nos preocupar mais com isto. Fomos ao supermercado em um sábado a noite e lembro de comprar muito produto de limpeza. As pessoas pareciam tranquilas ao nosso lado, mas um casal conhecido de meu esposo nos encontra e pergunta se acreditávamos que as escolas parariam. Uma senhora começa a falar alto que aquilo era invenção da TV para causar pânico, que era bobagem. E, assim, em 17 de março param as aulas dos filhos. No dia seguinte eu paro. No outro foi Flavinho. E os números no Brasil agora crescem.

Pensei que seria rápido. Como na infância eu puxava o band-aid, para sentir a dor de uma só vez. Não é assim. Achei que seria rápido e guardei pensamentos, sentimentos, desejos. Porque passaria tão rápido que nem perceberia. Já se passou mais de um mês. Os sentimentos se atropelam aqui dentro e os pensamentos se embaralham. Por isso estou aqui, sentada em frente a esta tela, escrevendo para me curar. Curar os medos, organizar os pensamentos, me entender.

Não sei se isto tudo ainda vai demorar. Se amanhã aquele milagre acontecerá e ao ligar a TV escutarei a música do plantão e a voz de algum repórter dizendo que tudo passou, que a pandemia acabou, que ninguém está internado. Pode ser que demore mais uma semana, um mês, dois, um ano. Tudo é incerto. O que sei em meio a isto tudo é que não posso ser a mesma do dia 18 de março. Não posso me permitir isso. Por isso estou aqui. Pensei que seria rápido, mas o meu tempo… ah!, meu tempo é diferente daquele que me criou. Então, vou aproveitar este tempo que Ele me dá para me reinventar, reescrever, reinterpretar. Na verdade, me curar… porque os dias estão passando e mudar é urgente… e amar também!

BÁRBARA SEABRA – Cirurgiã-dentista, professora universitária

 

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