violante pimentel

Violante Pimentel

A família mantinha no quintal da casa um peru cevado, para a Ceia de Natal. Seria sacrificado e temperado de véspera, para apurar bem o tempero, com vinho, pimenta, alho e sal. Logo pela manhã, José, o dono da casa, decidiu que o carrasco do peru seria ele, e também se encarregou de temperar. O homem gostava de cozinhar, e uma vez por outra preparava um ótimo cozido. Também gostava de preparar um peixe inteiro, ao forno, que ele temperava muito bem, injetando o tempero, pacientemente, com uma seringa própria.

Marisa, a dona da casa, após o almoço, foi com as duas filhas à casa da costureira, receber as roupas que havia mandado confeccionar para as festas do Natal e Ano Novo.

José ficou sozinho, com o propósito de caprichar no tempero do peru do Natal, que ele se encarregara de sacrificar. Uma tarefa penosa, que ninguém quis fazer, nem mesmo a cozinheira Damiana.

José sabia que era praxe dar cachaça ao peru, antes da execução. Não sabia se a finalidade da cachaça era mesmo para embebedar a ave e ela morrer sem saber, ou se era para amaciar a carne.

Enquanto preparava o ritual da execução do peru, José abriu uma garrafa de cachaça e tomou logo uma “chamada”, dando uma também ao peru, que estava ali amarrado…. Lembrou-se que prometera à esposa que quando ela chegasse da casa da costureira, o peru já estaria limpo e temperado, e que ela não teria trabalho nenhum com essa parte da Ceia do Natal.

Tudo preparado para executar o peru: O prato para aparar o sangue, a faca amolada e o caldeirão com água já fervendo no fogo, para tirar as penas.

De repente, José começou a analisar a crueldade que iria fazer, e fraquejou… Tomou outra “chamada” de cachaça, e deu outra ao peru. Pensativo, foi lá fora olhar a rua, e voltou procurando um pretexto para protelar a execução. Começou a ficar deprimido. Sentia-se o próprio carrasco. Covarde e desalmado, é o que ele era – pensou o homem.

Tomou a terceira “bicada”, e deu também ao condenado. Começou a refletir sobre sua vida. Sentiu que naquela hora, sozinho em casa, só contava mesmo com a companhia do peru. O peru, naquela hora, era o seu amigo de fé, seu irmão camarada, como fala Roberto Carlos na sua canção “Amigo”.

Tomou outra dose de cachaça, e deu outra ao peru, com o propósito de que seria a última… Afinal, prometera à Marisa que essa tarefa seria dele.

Sentindo-se o mais infeliz dos homens, José repetiu as doses de cachaça, sempre uma para ele, outra para o seu companheiro daquela hora, o peru…

O tempo estava passando, e José sem coragem de cumprir o prometido. Bebeu, junto com o peru, até a garrafa de cachaça terminar.

Nessas alturas dos acontecimentos, o dono da casa já estava deitado no chão, completamente embriagado, abraçado com o peru, chorando compulsivamente e lhe pedindo perdão pelo “crime” que não chegara a cometer.

Já era noite, quando a esposa de José chegou com as duas filhas. As três se encaminharam logo à cozinha, à sua procura. A mulher entrou em casa, certa de que a tarefa do marido já houvesse terminado, e que o peru já estivesse temperado. Para surpresa sua, na cozinha não encontrou ninguém, muito menos qualquer sinal de que ali houvesse sido preparada alguma comida. Chamou pelo nome do marido, mas ninguém respondeu.

Marisa foi ao quintal e deparou-se com uma cena hilária, que a deixou muito contrariada: Debaixo da latada, onde deveria ter havido o sacrifício da ave, estava José deitado no chão, abraçado com o peru!!!
Os dois dormiam profundamente, ao lado da garrafa de cachaça vazia…

Violante PimentelProcuradora aposentada e Escritora

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