PÉS E RUGAS –

Eu nunca tinha visto um pé feio. Feio de verdade. Um pé que me chamasse atenção não por seus sapatos, sandálias ou cor de esmalte. Não gosto de julgar a beleza nem a feiúra de alguém.  O que é bonito para mim pode não ser para você. Conceito de estética é tão peculiar, tão próprio…

Mas, aquele pé me chamou atenção.  Principalmente quando olhei um pouco mais para cima. Vi diversas facetas de resina distribuídas por todos os dentes que poderiam estar aparentes. Vi uma pele lisa. Lisa demais. Lisa ao falar, ao sorrir, ao proclamar surpresa quando a colega falou que alguém mudou de profissão.  A fisionomia não mudou muito, como se seus músculos insistissem em permanecer na posição que estavam.  Vi os seios quase todo a mostra por sob um cropped decotado (na verdade era um bustiê ou mini blusa, mas ninguém pode dizer isso hoje, pois estas palavras estão out!).Vi longos  cílios postiços, daqueles que eu poderia varrer o chão de tão longos e os olhos de um azul que a natureza não oferece, não por egoísmo por parte dela, mas por que ela, a natureza, prima por uma qualidade difícil de ser replicada. Entretanto, as lentes alteraram a cor de seus olhos, mas não deram a correção de grau que ela precisava. Pediu à conhecida que lhe ajudasse a ler o cardápio posto na parede.

Por fim, avaliei os cabelos e fiquei encantada com as mechas que apresentavam. Causou-me um interesse por aquela cor que minha curiosidade, por pouco, não  me levou a perguntar o salão onde ela havia ido.  Achei que seria indelicado de minha parte incomodar uma estranha perguntando onde seu cabelo foi tratado.

Continuei a uma pequena distância sem ouvir  a conversa das duas estranhas quando a reflexão me chegou.

 Pensei como aqueles pés devem ser um encalço  para esta pessoa. Parecia-me a única parte dela que não havia passado por uma reavaliação e, também,  por uma mudança. Pensei em como podemos nos tornar  escravos de padrões estéticos em um simples olhar das redes sociais. Pensei em como será difícil para toda uma geração envelhecer permanecendo dentro das exigências que a sociedade nos pede. Ou impõem!

Então,  vi minhas rugas refletidas numa superfície de inox e sorri para elas, o que as tornou mais visíveis, claro.  Amo minhas rugas ao redor dos olhos. Lembram-me que gosto imensamente de sorrir.  E, pela primeira vez na vida, achei meus pés bonitos. Não sei explicar o motivo, mas percebi que eles acompanham as curvas de meu corpo sem destoarem. Acho que foi isso. E, se não foi, não tem problema. Continuei sorrindo para eles e caminhamos de volta para casa, pensando nas rugas e nos pés tão meus, tão meus…

 

 

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora

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