A recompensa pelos esforços não foi mera causalidade –
No último dia 11/10 foi anunciado o resultado do Prêmio Nobel em Economia. Um fato relevante como este não poderia deixar de ser dito e analisado pela coluna, seja pela referência em si, como pela essência que motivou as láureas dos vencedores.
De fato, o prêmio será compartilhado por três pesquisadores: o canadense David Card, da Universidade de Berkeley; o americano Joshua Angrist, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT); e, o holandês Guido Imbens, da Universidade de Stanford. Em comum, para justificar o compartilhamento do prêmio, o fato de que os pesquisadores foram destacados pela utilização dos chamados “experimentos naturais”. Um recurso de pesquisa no qual as condições de vida real são analisadas para calcular seus impactos na sociedade. Com a adoção de modelos econométricos encorpados pelo vigor dos algoritmos, há como se entender melhor as relações de causalidade (causa e efeito). Nessa perspectiva, a educação e o mercado de trabalho foram os alvos principais das pesquisas, embora o êxito delas tenha gerado uma verdadeira “revolução” nas pesquisas de campo, suficiente para que esse recurso fosse amplamente usado noutras áreas econômicas de importância.
O compartilhamento não significou uma divisão proporcional da premiação financeira concedida pela academia sueca responsável pelo Nobel. A essência dos experimentos naturais que justificou o mérito dos contemplados foi concebida de modo diferente. Coube ao economista Card a maior parte da premiação (50%), porque ele usou tal recurso em pesquisas específicas sobre as relações de causa e efeito na educação e no mercado de trabalho. Os méritos de Angrist e Imbens ficaram muito mais por conta do pioneirismo que adveio das contribuições metodológicas, apesar da mesma aposta nas relações de causalidade. Vale dizer que não só nas pesquisas de ambos (sobre educação), como nas de tantos colegas pesquisadores, que as usaram noutros segmentos econômicos, influenciados que foram pelo sucesso da técnica.
Não obstante a importância desse recurso metodológico que embalou as conquistas de Angrist e Imbens, dedico maior ênfase ao mérito de David Card, para o qual reservo dois comentários relevantes. Antes, porém, sem deixar de expressar que os esforços da dupla tiveram enorme significado para o entendimento do valor da educação, um tema que tenho reservado todo interesse nesta coluna, pelo seu significado estratégico para qualquer economia. Neste sentido, cabem minhas reverências aos estudos por eles desenvolvidos, na intenção de se mostrar e entender os efeitos sobre os estudantes, do aprendizado que decorre de um ano a mais na escola. Incontestável.
Enfim, explico os dois pontos que dizem respeito às pesquisas de Card. Em primeiro lugar, o amplo uso dos experimentos naturais para verificar os efeitos sobre o mercado de trabalho de variáveis como o salário mínimo, a migração e a educação. Estudos esses que lhe garantiram a real consistência de tudo que lhe levou à justa premiação. Em segundo, um registro que tem repercussão maior no Brasil. Em recente publicação na American Economic Review (outubro/21), Card mostra os efeitos sobre a diversidade racial brasileira, mais precisamente decorrentes das “políticas salariais” praticadas no mercado de trabalho.
A nova dimensão da pesquisa de Card (e co-autores) ao atingir diretamente o Brasil ajuda no debate sobre o racismo estrutural, a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho e as diferenças salariais consequentes. Um tema polêmico, que resgata discussões sobre velhos pensamentos antagônicos (Gilberto Freyre X sociólogos da USP) e interpretações de realidades distintas sobre as segmentações do mercado de trabalho. Aspectos que cabem bem como tema futuro para esta coluna.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco