Os Quelônios da Política Ilustram as Privatizações da Economia –

Entre Jabutis e Tartarugas, os Desencontros de um Governo Desgovernado

Tantos foram os assuntos econômicos dos últimos dias que, entre Musk, novos bilionários e o fiasco educacional, achei melhor relativizar em torno das manobras políticas sobre os preços dos combustíveis. Sem dúvida de que irei trabalhar aqueles temas pela importância que cada um reflete. Contudo, essas artimanhas eleitoreiras sobre quem faz e para quem serve a política do setor de energia no pais, careciam de ser a bola da vez. Se as consequências das crises geradas no planalto costumam sempre partir de alguns “jabutis postos nas árvores”, para não perder esse apreço pelos seres quelônios, digo também que retiraram o velho “bode da sala” e o substituíram por uma pacata e resistente tartaruga. E, assim, num ritmo “devagar e quase parando”, temas cruciais são tocados como der e vier. Afinal, para que prioridades e estratégias se não há uma linha comprometida com algum modo de planejamento? Então, que fale mais alto a urgência do embate eleitoral.

Nesse universo de prosperidade entre os quelônios, jabutis e tartarugas espelham bem os desencontros de um governo que se propôs ser desgovernado. A marcha quelônia não é apenas o simbolismo de um oportuno desvio de foco. Representa ainda uma lentidão proposital nas respostas aos problemas, sobretudo, os casos que dão nitidez à crise econômica. Se houver interesse eleitoral na jogada e ainda servir de argumento aos impulsos autocratas delirantes, cabe qualquer aposta na política pública. Do contrário, nada costuma ser passível de avanço.

Enfim, a marcha dos quelônios tem lá sua representatividade e dá nutrição aos discursos do imediatismo e do contraditório. Justo por permitir a incoerência em temas estruturais singulares, entre os quais a miopia relativa à nossa matriz energética. Sem o compromisso prévio e revisionista, que mire sobre o futuro das fontes geradoras de energia, insistir em intervenções gerais e imediatas (como nos postos de comando e até nos preços dos produtos) ou específicas e contraditórias (como no controle acionário das empresas – ELETROBRAS e PETROBRAS) são desperdícios de entropia. Queima-se energia intelectual, que poderia ser dirigida para cuidar da revisão da matriz energética e daí, num quadro alternativo e sustentável, definir com a devida consistência, política de preços e modelos de gestão.

Como esse dever de casa foi adiado e o desarranjo macroeconômico se instalou, só restou ao governo apelar para o reforço dos discursos imediatistas e contraditórios. Estes servem como um verniz, que dá aquele brilho aparente para os eleitores, contagiados ou propensos a se contagiarem, com os
valores ideológicos que
dão sustentação ao enredo do que se entende por governo.

Em reforço, vale dizer que o imediatismo tem sido o expediente mais revelador do desprezo por planos e estratégias de governança. Uma postura geral aplicada em todos os setores organicamente estabelecidos desde o primeiro suspiro governamental.

Nesse ímpeto eleitoreiro, o imediatismo se mostra agora na forma de se tentar intervir na PETROBRAS, para que a empresa simplesmente promova o represamento dos preços dos combustíveis. Como prática de um monopólio, até que haveria certo respaldo tolerante, desde que conduzido por formas planejadas e negociadas. O que não cabe é constranger diretores e conselheiros através do uso abusivo de pressões ou exonerações, uma vez que as regras do mercado já foram pré-estabelecidas. Um ato político discricionário, que tem servido apenas para configurar tais iniciativas como se fossem instrumentos naturais de controle dos preços. Trata-se daquele jabuti, que se traduz pelo intervencionismo nacional-populista, que realça o lado imediatista do governo.

Em complemento, o contraditório é outro aspecto peculiar que contribui para o governo se por ainda mais à deriva, desgovernado, bastante volátil em certos aspectos da sua ideologia. Essa postura pauta contradições do tipo “sou liberal, mas não abro mão de intervencionismos populistas”. E que, se os atos não puderem ser pelo controle dos preços, que sejam pelo controle acionário.

Diante disso, avança-se na ideia de se intervir sobre as decisões de um conselho gestor plural, na intenção de um contexto novo, que destaque a venda do controle estatal que resta. Ou seja, que uma proposta de privatização possa enfim progredir.

E qual é a contradição disso? Bem, uma vez que não se segue o ideal intervencionista sobre os preços, que então se desfaça agora do componente público da empresa. Isso só ratifica que a “banda liberal do governo” teve sobrevida ao longo da gestão, somente pelos espasmos do humor presidencial. Sem planos prévios de adaptação ao mundo sustentável e sem regras firmes submetidas ao mercado, um tema complexo e polêmico como o das privatizações é tratado de modo superficial.

O simbolismo não está numa sala onde ocorre a troca do bode pela tartaruga. Ao expandir o olhar para outra espécie de quelônio, o sentido foi mais além do que o desviar do foco. Foi também mostrar que a agilidade do propósito estava desconsiderada. Por mais que haja quem acredite na privatização da PETROBRAS numa conjuntura tão adversa como a atual, o certo é que as experiências anteriores de privatização costumam ser longas e complexas. Não batem com discursos que servem como meros apelos eleitorais.

 

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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