Cuidado, esperança e felicidade: o real trinômio para um ano tão esperado –

A álgebra nos revela o trinômio do quadrado perfeito. A nova sociedade, “filhote” da pandemia, precisará confirmar outro trinômio para esse universo tão  imperfeito. Pela minha formação acadêmica, um mundo que abraça de verdade a ciência, a mesma que o define rigorosamente como redondo, cuja diagonal carrega uma estrutura desigual, também explicada pela força das ciências, sejam da natureza ou humanas.

De fato, a grandeza dessa crise sanitária, que no Brasil acresceu uma aguda tridimenssão (econômica, social e política), serviu para  ratificar tamanha desigualdade, sob os pontos de vista mais distintos. Só que, em certas circunstâncias, os contrastes parecem ter atuado de sinais contrários, no que tange às expectativas.

Foi fácil constatar que o que seria para o bem, como a diversidade étnico-cultural, funcionou com a carga de um preconceito que agiu entre o sutil e o escrachado. Por sua vez, o que seria para o mal, como a desigualdade de renda, atuou como uma simples evidência de um viés histórico, que sempre se mostrou renitente.

À parte possíveis e cabíveis ações públicas de efeitos conjunturais, será desafiador para a economia o enfrentamento de questões estruturais. Mesmo na perspectiva de uma estratégia que reveja o modelo de desenvolvimento. Serão necessárias respostas para perguntas que estão no cerne desses gargalos, que se refletem no desempenho socioeconômico. Se o exercício político pela inversão do quadro já era complexo antes, tornou-se mais dramático hoje pela agudização do embate ideológico e da extensão da pandemia.

Cabem exemplos. Como lidar com uma situação onde 1/4 da população sobrevive abaixo da linha da pobreza? Como aceitar que metade dessa população não tenha rede de esgoto e o acesso à água tratada não seja um privilégio para 35 milhões de brasileiros? Como não enfrentar o preconceito racial enrustido, quando mais da metade dos brasileiros é composta por afrodescendentes, atores das infelizes estatísticas das mazelas sociais? O que dizer de um modelo educacional que nada contribui para atenuar essa estrutura de sociedade combalida?

Ao começar um novo ano, é mister ampliar as iniciativas pela reflexão. Se 2020 foi um marco que referenciou dificuldades, extraiam-se dele as lições possíveis. O verbo agora é reinventar. E que se tente conjugá-lo através da busca pelo trinômio básico de 2021. Cuidado, porque a pandemia ainda pede zelo com as vidas. Sem que sejam preservadas, falar de empregos só representa afagos à  demagogia e  ao morticínio. Esperança, no sentido de buscar e não de apenas esperar, como reação a tudo que pareça não ter saída. É preciso crer na inovação, ancorada na criatividade e tecnologia. Felicidade, porque o ato de ser feliz está no presente, com as lições do passado e as utopias como exercícios de perseverança. Do ponto de vista econômico é apostar na “arrumação do setor público”, na revolução pela educação e na prática empreendedora sustentável e inclusiva.

O escritor Galeano dizia que “quanto mais perseguia a utopia, mais ela estava à frente, num horizonte inalcançável”. E isso lhe fazia questionar “o porquê de persegui-la com obstinação”. Só que a resposta para essa questão o próprio Galeano apontou: “o segredo está em não deixar de se caminhar”. Seguir na estrada é vital, porque a vida sem utopia parece uma mesmice infinita enquanto dure.

Um 2021 cuidadoso, esperançoso e feliz para a gente e nossa economia.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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