Economia em “v”, governo em “alfa”: onde está o “xis” da questão? –

William Shakespeare e Oscar Wilde foram dois dramaturgos ingleses que deram grande contribuição ao pensamento. Escolhi uma frase de cada pelo esforço de compreensão sobre o comportamento errático, que afeta a condução das políticas do governo e, em especial, da economia.

Para Shakespeare, “todos caminhos estão errados quando você não sabe aonde quer chegar”. Na ausência de estratégias, o que se diz hoje pode ser desmentido amanhã, atitudes comuns ao Presidente. Da sapiência  de Wilde, destaco que “os olhos são inúteis quando a mente é cega”. Ou seja, não cabem ao Presidente e seu time apenas reconhecerem um problema, sobretudo, quando não se usam os instrumentos adequados para enfrentá-lo e ainda  se defendem sob o pretexto de transferir responsabilidades por erros e omissões. Assim, as duas frases remotas se tornaram atuais, pois  resumem os descompassos do governo, vistos na política e economia.

O desafio é entender o “xis” de uma questão maior: como melhorar a vida dos brasileiros, através de uma governabilidade equilibrada? No cenário de hoje, infelizmente, os performances das ações públicas são  ziguezagueantes. Traduzem-se em situações desordenadas, tais como leituras inversas de uma bússola, onde o comando aponta para o norte e os comandados para o sul. Resultado: a sociedade atônita assiste à equipe econômica dizer que a economia está em “céu de brigadeiro”, com crescimento em “V”. Já  o Presidente, noutra órbita, em pleno estado alfa, nega tudo: saúde pública, contexto econômico ou quaisquer outras situações que sirvam de óbices às suas convicções.

Tratar com uma superficialidade renitente temas delicados que pedem cautela não é só uma atitude de incúria. Ao se levar em conta  a economia, que interfere no ânimo de diferentes agentes dos marcados, isso pode ser muito arriscado, com impactos preocupantes. Ao dizer, mesmo que ao pé do ouvido da sua fiel militância, que a “economia está quebrada”, a postura se mostrou inoportuna e grave, haja vista o peso da sua representação política. Os efeitos só não atingiram a dimensão comum de um estrago anunciado, porque o mantra verborrágico já emitiu sinais de baixa credibilidade. Do mesmo modo, também ninguém acreditou num gesto de outro extremo, quando seu Ministro da Fazenda  insinuou que o desempenho da economia brasileira para 2021 teria um efeito gráfico em “V”. Afinal, pela cautela necessária, nem 8, nem 80. Bem no padrão desta coluna.

Claro que o cenário econômico para 2021 exige cautela, porque ainda pairam incertezas. O repique da pandemia e o fim do auxílio deixam sob alerta preocupações evidentes sobre a saúde pública, as contas governamentais e o mercado de trabalho. Nem mesmo a possibilidade de juros reias negativos é capaz de animar os investidores. Basta lembrar aqui a consagração do oitavo ano consecutivo de um déficit projetado no OGU, dessa vez da ordem de R$ 247 bilhões. Isso num quadro de maior endividamento e ainda sem as reformas e privatizações anunciadas.

Apesar desse contexto, de maior vulnerabilidade no setor público, não houve e nem há quebra. Neste estado de insolvência, não se financia e nem se rola o déficit. Portanto, houve inadequação técnica (além de política) na fala do Presidente.

Mas, em estado de alfa, com a baixa credibilidade pelo que diz num dia, vale mesmo dizer no outro que a economia está maravilhosa. E nesse ritmo ciclotímico, de corda esticada, Guedes se equilibra e suspira. E daí?

Bem, daí é  que as pressões da sociedade são sempre maiores que o caixa do governo. Isso dá peso ao poder da escolha, justo onde está o “xis” da questão. Cabe atenção, porque entre o “quebrado” e o “maravilhoso” já aconteceram decisões e intenções contraditórias. A surrada caneta BIC tem lá seu valor.

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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