O auge da desigualdade: os “novos pobres” da pandemia –

Há mais de uma década, quando dos últimos registros de estabilidade econômica no Brasil, ouvia-se falar dos “novos ricos”, como um dos sinais daquele ciclo de crescimento. Eram comuns os sintomas de prosperidade, mesmo que se notassem alguns  exemplos de uma economia socialmente enferma, onde as desigualdades ainda se mantinham impregnadas.

Aquele foi um momento econômico eufórico, do “Brazil takes off”, da icônica capa da “The Economist”. Nela, via-se a imagem simbólica do Cristo, do alto do Corcovado, a subir como um foguete, simulando uma redenção em nome do desenvolvimento. Lamentavelmente, isso serviu apenas de registro e retórica. A partir de 2013, os diagnósticos do desmantelo econômico e da aguda crise política deram início a um quadro preocupante. Ao pouco tempo da terapia promovida pela equipe econômica do período Temer, somou-se a postura errática e sem ímpeto do atual Governo. De quebra para 2020, uma crise de sério  contexto sanitário, que aqui ganhou três outras dimensões. Agravaram-se as faces política e econômica e a elas foi adicionado um incômodo contexto social, cuja extrema pobreza resultante é inaceitável para o Brasil do século XXI.

O fato a considerar foi que, depois do recuo do discurso liberal em favor de uma práxis keynesiana, o Governo teve que acatar as pressões da sociedade e do Legislativo. Introduziu, enfim, o auxílio emergencial de renda como política social compensatória. A paralisação econômica com a consequente desocupação de milhões de trabalhadores não apontava outra saída. E o que poderia ser ideologicamente um instrumento de política social inaceitável, transformou-se numa arma descabida, já considerada como uma assumida estratégia eleitoral para 2022. Aconteceu, porém, que a pandemia se prolongou e resolveu emitir sinais de repique. Algo tão ou mais preocupante que a demanda pelo auxílio passou a ser fato real. O que fugiu mesmo da realidade foi a ausência de um planejamento, da saúde às finanças públicas, fato que se revelou como a razão maior pelo fim do programa, independente do rombo fiscal.

O vetor resultante dessa situação para 2021 é, do ponto de vista da desigualdade, um cataclismo social. E dado o efeito impactante do desemprego e da informalidade nas suas economias, o Nordeste e o Norte serão as regiões mais afetadas. Estudos recentes apontaram para uma queda respectiva de renda da ordem de 8% e 8,5%, contra uma projeção de 3,7% para o país. Essa baixa na renda, mesmo na expectativa de um discreto crescimento, deverá resultar num desempenho inferior à  média nacional.

Essa expectativa desfavorável que deriva do corte do auxílio contrasta com a ordem de grandeza do atendimento dispensado em 2020, que ajudou a amortecer a crise. Dados da Caixa apontaram para um total de transferências de algo como R$ 293 bilhões, com a cobertura de atendimento a 68 milhões de brasileiros. Ademais, segundo o IPEA, em novembro passado, cerca de 3 milhões de domicílios sobreviveram exclusivamente dessa fonte de renda. Mesmo com toda essa expressividade na assistência social, chegou-se ao final do ano com uma estimativa de 14 milhões de famílias vivendo no pungente conceito da extrema pobreza. A maioria delas domiciliada no Nordeste.

Com uma dívida próxima dos 100% do PIB e sem ter realizado as reformas após 2 anos de improdutivos ziguezagues na política econômica, as ações públicas para a assistência social estão fortemente  comprometidas. Será difícil encarar a realidade dos “novos pobres”, sem empregos, sem rendas e sem acesso à subsistência. E ainda sob os riscos da pandemia. Um cenário trágico até para se descrever.

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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