Traições e pausas à parte, qual o ritmo da pauta econômica? –
Na coluna passada, expus algumas preocupações gerais com a pauta econômica que tramita no Congresso, considerado o dia da definição dos novos comandos. Os sintomas me revelaram ainda um clima de incertezas, também assimilado por agentes da política e dos mercados.
De fato, no primeiro momento, o que se assistiu foi a consagração de um ambiente tenso, cujas fotografias registradas não esconderam um “clima noir”, recheado de traições e imposições. Neste último retrato, a ausência daquela velha “pausa”, onde fossem cabíveis sinais de entendimento, em vez de meros rompantes. De qualquer maneira, no dia seguinte, o retrato já estava melhor emoldurado, com pinceladas harmônicas em tons mais suaves, que costumam emanar dos raros “bombeiros de plantão”.
Pela minha natureza de perquirir ao limite, sou quase sempre desconfiado de ambientes assim, onde as contradições se retroalimentam. Até expus num instrumento particular de rede social, que essa postura ética é uma razoável amostra representativa da sociedade brasileira. Tem lá seu DNA bem exposto no realismo machadiano, para o qual entendo o brasileiro como sendo “o outro”, bem à moda de personagens típicos como Brás Cubas e o alferes Jacobina. Os etéreos mestres da contradição genuinamente nacional.
Mas, para que nunca digam que deixo de falar de flores, relego para outro plano esse comportamento dúbio e passo a considerar que poderá existir um mínimo de consenso parlamentar. E que, assim considerado, tente-se caminhar com a urgência de uma pauta econômica sobrevivente, apesar da letargia. Por se recomeçar o ano legislativo com ares renovados nos respectivos comandos, vale sim um esforço derradeiro para se recompor os trilhos e por a máquina da locomotiva para andar. Que vagões virão nesse reboque e qual o ritmo a ser dado pelos operadores e maquinistas, são essas as questões cruciais. Cabe-me, simplesmente, lembrar.
No Congresso, hoje, tramitam os temas econômicos do momento. Os principais deles, direta ou indiretamente, têm tudo a ver com o setor público, seja pelo lado das receitas, como o das despesas. E as demandas atuam com sinais invertidos, algo que aumenta o grau de dificuldades nas articulações e nos entendimentos. Por um lado, é preciso combater o excesso de gastos (reforma administrativa), mas pelo que foi e continua sendo a pandemia, há pressões naturais por mais concessões (retomada do auxílio). Isso num quadro de carências sociais outras e num endividamento público que beira a integralidade da expressão monetária do PIB. Por outro lado, clama-se por mais receitas, embora a sociedade já não suporte conviver com uma das maiores cargas tributárias do planeta. Nesse contexto, as propostas de reforma tributária têm tons distintos. Entre a justiça ditada pela desigualdade fiscal e a sensatez regrada pela limitação técnica há uma enorme ponte. E a engenharia necessária à sua construção representa sacrifícios.
Os ensaios dos primeiros dias dessa “nova” política entre o Executivo e o Legislativo já permitiram a evidência dessa imolação. O Governo apresentou sua pauta geral de emergência em quatro linhas: retomada dos investimentos, fiscal, costumes e outras. Couberam às duas casas do Legislativo acenos prioritários na direção das vacinas e do auxílio emergencial.
O realismo contraditório, daquilo que o brasileiro representa como sendo o outro (e não ele), parece mais vivo do que nunca. A conferir.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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