Incentivos fiscais: foco no mérito e cultura como setor estratégico –
No texto anterior registrei um importante alerta em defesa dos incentivos fiscais. Em nome do desenvolvimento sustentável, são instrumentos de política econômica que precisam ser encarados com diligência disciplinada pela razão. Não lhes cabem mais serem benefícios municiados pela inquietude de emoções, que se sustentem em dogmas. É necessário discernimento para se entender que a concessão dos incentivos fiscais carece de cautela na análise e foco meritório nos alvos.
Não se sustentam dois mitos. O primeiro, de que a manutenção dos incentivos explica parte do déficit público. O segundo, de que sua defesa representa um marco de privilégios, que põe em risco a transparência e a aplicabilidade do dinheiro público.
Há referências para essas mitificações. Nos embates técnicos, por exemplo, lembro que há uma proposta de reforma tributária, enviada pelo Governo ao Congresso, que prevê o corte de R$ 28 bilhões em benefícios
concedidos a vários setores. Um valor que representa 34% dos R$ 84 bilhões projetados para usufruto. Cabe cautela analítica.
Uma pena que o episódio recente sobre a saída da Ford tenha trazido mais tempero à polêmica. Um dos aspectos das análises precipitadas foi a comparação entre incentivos, como num confronto indústria automotiva X setor cultural. Nesse falso dilema, há que se considerar não apenas as diferenças entre as produções. Os incentivos praticados, por exemplo, são distintos e os impactos também. Embora o valor captado pela renúncia fiscal em 100% dos projetos culturais seja o mesmo da estimativa concedida apenas à Ford (R$ 20 bilhões, em 20 anos), o essencial é se entender o foco, a partir do que seja visto como estratégico.
Longe de qualquer senso contrário aos incentivos destinados para o setor automotivo, neste particular o que se põe em pauta é saber se essa indústria se mantém como estratégica. Ou seja, até onde é conveniente a isenção fiscal para quem produz sob risco ambiental? Isto é condizente com a ideia de sustentabilidade? Ou seria melhor garantir incentivos para veículos como os elétricos? Nessa linha, vale realçar que o polo automotivo da Jeep, instalado em Goiana/PE, foi o primeiro a aderir ao programa de compensação de emissões, na busca pela neutralidade do carbono. Um exemplo de revisão no papel industrial.
E a cultura, como fica? Deve ser excluída devido à desconstrução gerada pelas adversidades ideológicas? As respostas passam por conceitos e resultados muitas vezes desconsiderados ou imperceptíveis para parte da sociedade.
Conceitualmente, porque a cultura é assunto de identidade nacional. Em si, um valor estratégico, que age como pilar estrutural de uma nação. Ademais, dadas as enormes diferenças intra e intersetorial na cultura, os incentivos são cabíveis como política complementar aos aportes públicos diretos, numa visão sistêmica e dinâmica. Esses condicionantes já garantem consistência para se entender a cultura como uma externalidade conexa, que contribui com o desenvolvimento. Isso reforça os estudos que apontam o peso da cultura na geração de empregos e rendas. Não lhe falta dimensão quantitativa de agentes e mobilização de fatores.
Ciente de que este país abandonou seu planejamento, mantenho-me como um desenvolvimentista, que apela por um revisionismo conceitual, centrado na plenitude democrática, na sustentabilidade e no combate às desigualdades. Nessa trilha, os incentivos fiscais são imperiosos. E o olhar pela inovação e criatividade com a consciência no controle ambiental, torna-se minha utopia.
Não há tempo a perder. A distopia é continuar na crença de ser este o país que tem um futuro no seu passado.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco