A ressaca econômica é inevitável –

A ressaca é uma velha conhecida dos carnavais, porque costuma proporcionar um quadro de sintomas fisiológicos e psicológicos derivado dos excessos da folia. Evidente que aqui não me refiro aos casos de embriaguez derivados do consumo festivo de bebidas alcoólicas, digno promotor de tal estado. Dessa vez, a referência trata apenas do arturdimento causado pela abstinência a favor de uma mínima remissão por soluções econômicas. Pelo menos, aquelas mais emergenciais, diante da carência de planos maiores.

De fato, esta quarta-feira de cinzas têm lá suas motivações pela minha apreensão. Não bastasse a nostalgia multisaudosa dos carnavais passados, agregam-se agora valores preocupantes. Não só pelo efeito de uma “quarta-feira ainda mais ingrata”, que sequer não permitiu ter o Carnaval por lembrar. Na mais dura realidade, apenas uma certeza: a de que os desafios econômicos imediatos estão fora do controle. E o quadro que persiste é como se essa simples “quarta-feira” fosse temporalmente desconsiderada e valesse por mais que suas 24 horas. Talvez um mês, um trimestre ou semestre. Quem sabe até um ano, perdido diante de sinais ziguezagueantes. E sem ter contado ainda com o Carnaval, para se esquecer por 4 dias dos tantos erros e omissões, catalisadores de uma gravidade tóxica à ressaca econômica.

A pauta é extensa, complexa e eivada de contradições. Certamente, exigirá o recurso terapêutico de muita analgesia, para o enfrentamento que se mostra. E nesse universo temático de curto prazo, que aqui insinuei como terapia emergencial, destaco um componente genérico, que traz à tona alguns aspectos variantes: o diagnóstico dessa sonolência instigante da questão fiscal.

Por envolver a necessidade imperiosa por gastos sociais diversos e diante das armadilhas que advêm das fontes de receitas, a delicadeza da situação está para lá de bem colocada. E por mais complicada que se configure, cabem decisões imediatas para respondê-la à altura. Afinal, os agentes do mercado já apontaram para o recrudescimento dos níveis de instabilidade, sobretudo, enquanto a equipe econômica não alinhar alguma definição concreta, no que concerne ao auxílio emergencial e controle do orçamento público.

No bojo desses temas, antecipo aqui algumas meras opiniões a respeito. Darei mais intensidade à análise na próxima coluna. Mas, dentro desses pontos emergenciais, dou alguma ênfase agora à dura questão do repique da pobreza e a relevância socioeconômica do recurso ao auxílio público, algo tão cabível nesse momento.

Dados recentes revelam que quase 40 milhões de brasileiros estão em situação de miséria, com a estimativa de uma renda per capita mensal de irrisórios R$ 98. Nesse grupo, considere-se ainda a presença de 5 milhões de criancas da faixa etária de 0 a 11, ignoradas pela proteção social. Sobrevivem numa realidade de baixa escolaridade, falta de saneamento básico, ausência de abastecimento de água e dificuldades dos pais ou responsáveis para conseguirem emprego formal (dados de pesquisa da PUC/MG). Tudo isso dá o contexto social de um problema, que aguçado como foi pela pandemia, reforça o apelo por programas de renda mínima.

Entre as emergências, eis o desafio imediato. Nesse cenário insultuoso há sinais evidentes de aumento da pobreza e desocupação. Tudo isso num ambiente de prevalência da pandemia, evidências de isolamento social, ausência de plano de vacinação, efervescência nos embates políticos sobre as reformas fiscais e inexistência de um plano de desenvolvimento.

Material farto para insistir nos temas.

 

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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