AS TROPAS “NARCISISTAS”: QUANDO O “EMSIMESMISMO” SE REVELA COMO UMA ARMA LETAL –
Defendi que a imagem do brasileiro refletida no espelho pudesse lhe causar algo novo: o “ensimesmismo”, visto como resposta ética. Assim, rechacei as imagens extremas que decorrem do mero exercício de se ver no espelho.
Em primeiro plano, que não se visse na imagem um “outro”, de valor ético diferente daquele que se olha no cotidiano. Em segundo plano, que não se visse uma reprodução “narcisista”, na qual o culto à estética física gerasse uma espécie de endosmose, suficiente para propagar o egocentrismo anti-social. É sobre este comportamento que me atenho agora, porque sua evidência tem contagiado a sociedade, de modo espantoso.
O estresse por uma supremacia estética, vista sob diversos ângulos, já estava massificado, ao se tomar como marco delimitante a pandemia. Ou seja, antes dela, a auto-imagem era uma simples prática adicional que reforçava a tendência do “espírito individualista”, ditado pelas situações cotidianas dessa sociedade algoritmizada. A discussão desse quadro pode ser até saudável. Aqui ou acolá, referências pontuais de soberbas e arrogâncias, insuficientes para se enxergar algum comprometimento do coletivo.
O advento da pandemia trouxe não só a sustentação desse modo comportamental. Mais que isso, viu-se sua transformação em algo que prima pelo exagero e põe em risco a vida coletiva. Ou seja, por mais paradoxal que seja, ao não trazer à tona a solidariedade como referencial, a pandemia propiciou que o fortalecimento do egocentrismo – inspirado pelos narcisistas – fosse transformado em arma letal. Aqui, o bicho pega.
Custa acreditar no que se vê, em plena insegurança sanitária. Basta um motivo para festejar, que a vontade por aglomerar desrespeita o direito dos que querem viver. Mesmo que se implore pelo sentido da saúde pública num quadro de pandemia, o hedonismo egoísta ignora o realismo altruísta. Parece assim que a morte é tão trivial quanto uma “caipirinha”, seja ela na forma de dose ou fantasia.
Como dizia Clarice Lispector, “viver ultrapassa qualquer entendimento”. Por isso, não cabem adjetivos aos desentendidos. Seja qual for sua interpretação.
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Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco