Ainda sobre os efeitos da ressaca econômica –

À  medida que se avance na faixa etária, costuma ser natural que os efeitos de uma ressaca tendam a ser complicados. O corpo humano não reage mais ao problema com a mesma disposição juvenil. Nessa analogia, não me parece ser diferente quando a ressaca se mostre através da maturação dos problemas econômicos. Por mais que a idade traga lerdeza na solução biológica, o tempo parece ser implacável com a superação da ressaca econômica.

Na coluna passada, reconheci que os desafios imediatos impostos à economia são diversos e complexos. Por isso, trouxe ao debate a pressa pela recondução da renda emergencial. Desde dezembro que a pandemia deu sinais revigorantes, ao passo que a linha de pobreza ampliou sua área de absorção quantitativa.

Nessa realidade, a nova cúpula aliada do Governo no Congresso sentiu o peso do drama social. Tolerou uma “troca política” na pauta econômica, ao resgatar um tema engavetado do interesse da equipe econômica (a autonomia do BACEN), para por carga na urgência do auxílio. Outras etapas à vista.

Num primeiro plano, parece-me elementar uma tese irrelevada pelo Governo. Afinal, pensar em cenários favoráveis exige uma variável nova e condicionante: a imunização. Embora a ficha tenha começado a cair e o abandono da tese anti-vacina tenha começado a perder efeito, a falha original de planejamento impôs uma dura realidade ao governo. O atraso das campanhas de vacinação compromete o ambiente dos mercados e o ritmo esperado para a retomada. Quanto mais se demora a imunizar a população, maior é o risco de retomada dos isolamentos sociais e, consequentemente, mais tempo a economia leva para ser recolocada nos trilhos.

Não bastasse isso, ao se considerar o fato do comando aliado do Congresso colocar a imunização e o auxílio como prioridades máximas, o embate maior se impõe nas reformas fiscais. Como observador, parece-me que os movimentos têm evidências de sinais contrários e em quatro vetores.

Num caso, vejo a equipe econômica focada na redução dos gastos e na timidez oscilante de uma nova proposta tributária. Por sua vez, um núcleo governamental que também age como um pêndulo, mas que não perde a seu modo uma raiz nacional-corporativista. Outra via vem da força do “Centrão”, cujo dna é nitidamente fisiológico e ameaça o governo no controle dos gastos, seja a partir da convicção liberal da equipe, ou mesmo, de algum lampejo de instabilidade do Planalto. Por fim, um núcleo heterogêneo de oposição (da centro-direita à esquerda), onde os segmentos vistos como os mais ativos, não olham o controle dos gastos como problema e só se abraçam com a solução por mais impostos. Uma provável justiça fiscal, mas limitada ao nível de tolerância que minimize o risco da exteriorização do capital.

Eis aí a dimensão do labirinto no qual a economia está inserida hoje.Todo esforço por soluções exigirá muito de dois aspectos: engenharia política e plano estratégico. A engenharia pode até ser exercida com razoável boa vontade. Já um plano estratégico, que mire num modelo de desenvolvimento que se sustente na temporalidade e essência, ainda está  numa órbita inalcançável.

Parafraseando Clarice Lispector, “creio que tudo que eu acredito hoje poderá mudar com o tempo, de modo que, no futuro, passe a acreditar em menos coisas, ou mesmo, em nada mais”. E, assim, segue o jogo.

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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