Globalismo, climatismo e covidismo: política externa e nova OMC –
Um fato marcante da política internacional se deu no último dia 12 e não teve grande difusão. Refiro-me à eleição da Diretoria-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que escolheu a nigeriana Ngozi Okonjo-Iwela para o cargo. Uma economista consagrada pelos 25 anos de exercício técnico no Banco Mundial.
Essa ressalva faz todo sentido, pelo que tem representado a OMC. Antes mesmo de Roberto Azevedo sair dessa função sem ter completado seu mandato (agosto/20), a instituição enfrentava dificuldades políticas com os EUA e o “trumpismo”. Isso, devido ao bloqueio das indicações para a corte julgadora dos processos, haja vista a guerra comercial anti-China (dezembro/19).
Ao quadro, somaram-se as ideias contrárias ao multilateralismo, bem como, temas paralelos que completavam esse vigor dogmático. Enfim, aspectos que em nada contribuiam para a candidatura de Ngozi. Só que a mudança de governo nos EUA e a saída do páreo da Ministra do Comércio da Coreia do Sul, ajudaram-na a alcançar tal êxito.
Por outro aspecto, vale aditar que o movimento contrário aos estresses do “trumpismo” também consagrou a quebra de tabus. A conquista representou não só o papel de todo um continente esquecido, em termos de liderança. O triunfo africano ganhou outra dimensão porque nele se reconheceu que a competência precisava avançar noutras direções, como no gênero e na raça.
Diante disso, a formação técnica do Banco Mundial preparou Ngozi para lidar com conflitos gerais de interesses. Agregou ainda a sabedoria de que a diplomacia é a arte de transformar litígios em acordos. Razão pela qual já pôs como prioridade a questão da saúde pública, vista pela ótica comercial das vacinas. Nada tão vital.
Nesse cenário, revisado por tal mudança na OMC, cerco-me de preocupações com relação ao futuro do comércio exterior brasileiro. Parto do princípio de uma inédita postura diplomática, que aposta no confronto ideológico e joga no time do isolamento. O tripé negacionista da política externa está assentado em três conceitos distópicos e sem nexo, assim definidos pelo próprio chanceler: globalismo, climatismo e covidismo. Ou seja, rotulações do imaginário alucinante de uma ideologia que só convive bem com fantasmas.
Até onde o país possa “cair na real” e – aí sim – negar esse desejo esdrúxulo de ser um pária mundial, qualquer superação contraria as sacralizações profanas. Fazer frente ao multilateralismo dos pares, achar que o mundo sustentável é subsistência de ONGs e negar a pandemia sob o pretexto de ser instrumento do poder esquerdista é mesmo fazer dos profanos objetos sagrados. Assim, defesas vitimistas e conspirações contra verdades (im)próprias são teses defendidas apenas para resistirem ao contraditório.
E agora? Sem a sinergia do “trumpismo”, como lidar com o multilateralismo? Como encarar quem pauta suas ações pelas políticas sustentáveis? Como suavizar as relações com parceiros comerciais? A guerra ideológica contra a China persistirá? Vai-se negar à Índia sua intenção de quebrar patentes de imunizantes?
As respostas pedem por uma revisão no Itamaraty, para daí se repor o Brasil no grau natural daquela diplomacia de reconhecimento internacional. O pior é continuar a insistir na incapacidade de perder oportunidades e não aprender com a experiência.
Ouso aqui revolver reflexões de dois dramaturgos de tempos distintos – Nélson Rodrigues e Aristófanes. E digo: mesmo que a inexperiência possa ser um defeito humano etário (Rodrigues), parece que o exercício contínuo é reflexo de vontades insociáveis (Aristófanes).
O danado é que nada disso combina com a diplomacia e o comércio exterior. Pobre Brasil.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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