Colapso econômico e asfixia social: o país no limite da paciência –
Inúmeras foram as vezes em que se debateu sobre o entendimento do que representa o papel da economia numa dada sociedade. De fato, mesmo na mais simples análise que se faça, trata-se de um sistema complexo, que surge das interações entre seus agentes, algo capaz de se sobrepor à velha dicotomia entre o micro e o macro. Ou seja, refiro-me a uma visão que possibilita verificar as redes de relacionamento entre o todo e as partes.
Por isso, muitos economistas enxergam a dinâmica econômica atual como um sistema complexo. A heterogeneidade comportamental é regra comum, de modo que o sentido de coletividade tem uma lógica própria. Ademais, vale dizer que, esse processo de evolução econômica vai além do seu natural dinamismo. Por não ser uma função linear, varia ao longo do tempo, uma vez que os indivíduos assimilam e ajustam seus comportamentos a cada ambiente.
É por esse caminho que surge o “sofisma da composição”, um conceito presente na Economia. O todo não é simplesmente a soma das partes como parece ser. Assim, os economistas se vêem compelidos a testarem os impactos sociais inesperados que advêm das decisões individuais. O que pode ser bom e ideal para os indivíduos nem sempre representa o melhor para a sociedade. Nesse sentido, num ciclo de baixa na atividade econômica, “o bicho pode pegar”. A política precisa estar calibrada para agir. E a dose dependerá do modo reativo da sociedade.
Nessa linha, as crises econômicas e seus efeitos sociais são fenômenos sistêmicos, que precisam ser enfrentados com razões disciplinadas, por mais que se considerem as emoções dogmáticas. A ordem de grandeza dos problemas e o uso dos instrumentos apropriados para as soluções ditam as regras de comportamento das políticas. Admitem-se divergências de entendimento e condução. Assim, a urgência pode ir ao limite do mandato dos governantes. Por isso, pode fazer algum sentido maximizar a paciência.
Quando a dimensão da crise tem uma notória exogenia, no sentido de ser originária de um contexto sistêmico diferente (como guerras e pandemias), o quadro ganha uma configuração mais rija. Nessa condição especial, o advento de uma pandemia provoca um tipo de reação, que pelo fato de envolver a sobrevivência humana, exige-se do governante uma ação mais firme. Nisso, a superação das barreiras ideológicas para a construção de um plano de resistência e enfrentamento se mostra vital. Aí a urgência não dá limite. Por isso, faz sentido minimizar a impaciência.
Dito isso, como fica a realidade nacional? Bem, a verdade brasileira é outra. Nada tem a ver com uma certa lógica do absurdo que acomete governantes e seguidores. O ambiente de rivalidade ditado pelas incoerências dogmáticas faz com que o oponente político se sinta psicologicamente desequilibrado. É a velha retórica sofista grega a serviço da ética contestável dos brasileiros. Uma tragédia anunciada.
Resta-me o resumo: 1) economia em colapso (primeiro trimestre perdido e riscos para o segundo, após queda prevista de 4% no PIB em 2020); 2) reformas econômicas em clima de sofismo (num parlamento que revelou preocupação com sua imunização e num governo mais atento ao populismo intervencionista); 3) drama social asfixiante (sem auxílio, sem rendas e sem empregos); e 4) saúde pública na UTI (sem plano de saída para a pandemia, falta disposição pela rápida imunização e sobra insistência no negacionismo). Enfim, paciência no limite.
Assumo os versos de Lenine: “enquanto todo mundo espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal, eu finjo ter paciência”. E completo: “será que é tempo que falta pra perceber ou será que temos esse tempo pra perder? Pois a vida é tão rara”.
Mais precisa que a letra da música? Digo com o que me resta de paciência: impossível.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco