Lá vem o Brasil descendo a ladeira –
Que bom seria olhar o título acima e dele extrair o que quis dizer o saudoso Moraes Moreira. Ou ir um pouco mais longe na imaginação, ao se vislumbrar no mesmo título a alegria dos carnavalescos que brincam nas ladeiras da querida Olinda. Assim, manter-se-ia aquele senso lúdico que faz parte da formação social brasileira.
Só que a realidade econômica não é brinquedo e muitas vezes se expressa através da outra face dessa moeda, aqui vista pelo “caldo cultural” diverso e complexo chamado Brasil. Por isso, recorro-me agora a outra frase da MPB, oriunda do não menos saudoso Cazuza: “Brasil, mostra tua cara, quero ver quem paga, pra gente ficar assim”.
Mal começou 2021 e as incertezas pautam a economia brasileira. Evidente que não há como desconsiderar uma forte exogenia nesse ambiente de crise, gerado pela pandemia. Para efeito analítico, isso tem significado. No entanto, há pelo menos dois aspectos pontuais e cronologicamente definidos, cujas forças vetoriais trazem implicações sobre o problema. Um vetor deriva da situação econômica da fase pré-pandemia, que já emitia os mesmos sinais das incertezas de hoje. O outro vetor pode ser destacado como consequente da ausência de uma política efetiva de enfrentamento do mal sanitário. Aqui, diante da gravidade e transversalidade da crise, nada mais natural que a saúde pública se tornasse fator determinante do nível da atividade econômica.
As informações quantitativas e qualitativas do momento saltam aos olhos. São reveladoras de um panorama econômico que, se não forem precisas o suficiente para projeções seguras, apontam para uma prudência cautelar. Assim, vale a experiência, a palavra perfeita que se aplica à percepção dos erros passados. Nisso, o exercício da política e os efeitos econômicos associados são péssimos exemplos, porque renovam esses ofícios em cima da negligência com o passado e da perda de oportunidades.
Para mostrar essa indesejável “descida da ladeira”, faço um breve ensaio prospectivo, de curto e longo prazo.
Para o curto prazo:
PIB> Consumado o resultado de 2020 (segundo o IBGE, queda de 4,1%), os analistas dão por perdido este primeiro trimestre e vêem sob risco o segundo. Nesse contexto, só com otimismo é que se pode projetar hoje algum crescimento em 2021, algo como 3%.
MERCADO FINANCEIRO> O clima de confiança e aposta favorável que se teve em 2018 foi azedado. O efeito do intervencionismo na Petrobras gerou descrédito na bolsa, instabilidade no câmbio, aumento no grau de risco e preocupações futuras com os juros.
Para o longo prazo, pesam as observações gerais do descaso de origem com relação à pandemia e o trato reservado aos setores vitais para a retomada sustentável. Neste particular, considerem-se aqui os casos do meio ambiente, da cultura e da educação (na década, 2020 foi o ano de menor investimento em educação básica).
Qual a síntese? O desajuste das contas públicas precede – e muito – da fase da pandemia. Assim, não será liberando todos setores de atividades que a economia irá girar. O sistema político teve nas mãos, antes e durante a pandemia, condições para prever, planejar e agir. Adia-se o real estímulo econômico porque o ajuste das finanças públicas não consegue avançar, independente da pandemia.
O Governo errou duas vezes. Previamente, por não buscar soluções para as questões estruturais das suas próprias atividades. Depois, pela disposição eleitoral e ainda querer esconder sua “nova” ideologia fisiológica, enquanto pretextos de justificar os males em cima dos isolamentos sociais tipo “meia sola”, adotados no combate à crise sanitária.
Conto aqui um ou dois anos de incertezas e vejo que o tempo da crise parece exíguo. Mas, se me ativer aos fatos, a crise se revela uma eternidade.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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