A economia alerta para o custo de oportunidade –
Em artigo anterior, tentei enunciar sobre um novo sentido para o termo injeção. Não se tratava do ânimo convencional em torno de algum fluxo de investimento. Fora do receituário econômico, quis apenas realçar o sentido original do receituário médico, no que tange à saúde pública. Enfatizei a vacina como elemento indispensável hoje para a recuperação econômica. Diria melhor: a imunização em massa passou a ser uma condição “sine qua non”, ou seja, uma variável determinante do nível de atividade econômica.
Bem, se essa tese possou a ter alguma validade, qualquer análise que parta dela será útil. Isso porque, finalmente, está constatado um sintoma de que a economia se rendeu à crise sanitária.
Por si só, isso dá substância para tentar explicar alguns pontos frágeis ainda renitentes, que sustentam reações contrárias ao que a ciência tenta esclarecer. Diga-se de passagem, trata-se de um argumento que carece considerar aspectos prévios do controle da pandemia, uma vez que o atraso do programa de imunização representa um parâmetro incondicional. E como a velocidade da contaminação se comporta agora de modo exponencial, é preciso urgência nesse controle. E pelo bem da economia, apesar de teses contrárias.
De fato, dos sinais explícitos de negacionismo na origem até as posturas de dúvida ou desleixo, há um campo de manobras que se agarra no pretexto da salvação econômica. Ou seja, nem agora quando o país se depara com a maior crise da sua história, onde se registra uma mortalidade diária de 3 mil pessoas num colapso iminente no sistema de saúde, em nome da economia há quem ignore a urgência do controle sanitário. São incapazes de perceber o que significa o custo de oportunidade por essa renúncia.
Nesse grau de miopia, não se enxerga o conceito e a complexidade do que vem a ser um sistema de saúde pública, sobretudo, nos seus momentos mais críticos. Numa análise objetiva, a relação de causalidade está ditada pela evolução da pandemia, no sentido de que ela é quem determina o ritmo da economia. Se as vacinas não chegaram e o termômetro da crise aponta para uma gravidade, não há solução: medidas preventivas rígidas, até o tempo em que a febre possa baixar. Portanto, sob qualquer condição, o fato é que nem a economia pode se sobrepor às demandas da crise sanitária, nem muito menos ela deve determinar o que o combate à pandemia deve fazer.
Posturas emocionais ou ideológicas à parte, essa supremacia da economia pela economia é uma polêmica histérica (contagiada pelo psíquico ou dogma) e estéril (desconsidera o conhecimento, o efeito dinâmico e o custo de oportunidade). Nesta alçada da esterilidade da polêmica o mal geral está em interpretar questões complexas com teses simplistas de arrepiar. Além das fragilidades cognitivas, interpretações em modo de análise estática. No primeiro caso, o desconhecimento não se resume a negar ações preventivas como isolamento social ou uso de máscaras e prática de higiene nos contatos pessoais inevitáveis. O pior, por exemplo, é não crer que se o transporte coletivo está sob uma aglomeração arriscada é porque o isolamento está “meia-sola” e/ou público nega o mero uso da máscara. No segundo caso, exemplos absurdos de análises estáticas que vão do porquê da ausência de unidades de saúde até comparativos de outras demandas de doenças aparentemente mais mortais que o COVID. Casos que representam desconhecimento da dinâmica econômica e brutal ignorância em ciência estatística.
Numa situação assim, os sentidos de ver, ouvir e falar exercem uma soberania seletiva. Faz-se daí o que se quer em cada um deles. Nisso, a expressão da consciência coletiva pode ficar à deriva. Entendo que o quadro atual da pandemia, sem vacinas, exige muito mais rigor, em nome da própria economia. Ignorando aqui os erros politicos de origem e percurso, os números exigem sacrifícios por três ou quatro semanas, num esforço de se tentar uma recuperação à frente. É conversa fiada achar que um político queira assumir uma medida impopular como essa. Ou não querem (como o governo federal) ou fazem no modo parcial, condicionada pelas pressões (governos estaduais). Sem restrição plena, o país enfrenta o desafio da bomba-relógio armada. O tempo da explosão é o da segurança da imunização.
Nesse caos, o alerta está no custo de oportunidade, ou seja, o benefício que a sociedade e as atividades econômicas poderão perder por uma escolha errada de agora. Palavra de economista.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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