O drama real da educação: entre os novos pobres e a pátria pária –
Diante desse clima adverso gerado pela pandemia, na minha busca pela “esperança do avesso”, tentei tratar do tema com doses de equilíbrio. Tomado pela evidência de uma grave crise sanitária, procurei diligenciar tecnicamente a respeito de suas principais dimensões socioeconômicas. Sempre municiado pelo entusiasmo de contribuir com o debate, embora disciplinado pela razão do comprometimento com a realidade.
Assim, tratei das dimensões expressas pela evidência dos “novos pobres” e suas consequências, bem como, da escolha política em revelar a pátria no papel de pária, nas relações internacionais. Enfim, situações de causas e efeitos agravadas pela pandemia. Isso devido à dinâmica econômica atual bastante abalada com a desigualdade de renda (que tem gerado os novos pobres) e à inércia na compra externa das vacinas, num volume suficiente para recuperar as atividades econômicas (pela incômoda condição de pária internacional).
Diante do exposto, a terceira e última dimensão que enunciei antes, no primeiro texto desta sequência, traz à tona a velha, repetida e já irritante questão do fracasso educacional brasileiro. Digo isso porque já não há mais o tempo, seja qual for o período histórico que se considere, para constatar o óbvio: que o quadro educacional não muda. Anos, eleições, promessas, governos e daí pouco ou nada de conquistas efetivas. Pior que o fosso que separa o falar do fazer é um outro ainda maior – o que distancia a ignorância do conhecimento.
Antes de comentar sobre os sinais de piora desse quadro devido à pandemia, não posso deixar de concluir sobre a razão da persistência desse fosso. Apesar de tantas vozes de resistência técnica, institucional e política derivados de alguns guardiões da educação, por incrível que pareça, ainda há o que ou quem obstaculiza, ao menor sinal de avanço.
Como disse Eduardo Giannetti, num dos seus textos sobre o mérito de lutar por uma obsessão educacional, “o impasse do avanço se dá porque ninguém tem poder, autoridade e liderança para fazer o que precisa ser feito”. De fato, em adição à essa tese de Giannetti, entendo que a proporção da coragem por mudar está na capacidade de superar conflitos, privilégios e corporativismos. Um desafio que se sustenta desde a displicência demográfica até a maneira de planejar o que nação precisa priorizar na educação. Naturalmente, que a partir de tais princípios, saber como otimizar a distribuição e gestão dos recursos físicos e financeiros. Uma tarefa de ampla trajetória, mas que carece de muita disposição e comprometimento. Uma obsessão positiva, como já disseram o próprio Giannetti e Cristovam Buarque.
Não bastasse essa configuração problemática, também traduzida por informações educacionais nada inspiradores (do ENEM ao PISA), ainda há o que encarar na forma de dificuldades, com as consequências da pandemia. O Banco Mundial já classificou esta crise sanitária como o maior choque sofrido pelos sistemas educacionais em toda história. Isso tem impacto tão profundo quanto incomum, uma vez que as consequências ainda são imprevisíveis. Afinal, não se fala apenas pelas questões imediatas, como o desafio do aprendizado fora da sala de aula presencial. Pior que isso possa significar, é não poder aferir a evolução do aprendizado. Ou ainda, um estímulo maior que justifique um surto de evasão escolar já constatável. São problemas que se somam aos anteriores e que só aumentam o desafio à frente, de um eventual modelo que, por exigir o máximo na formação de capital humano, terá que encarar esse atraso cognitivo como um dos entulhos da pandemia.
Não obstante tudo isso, constatam-se outros complicadores, quando se enxerga a disposição governamental de sustentar a proposta de cortes no Ministério da Educação. Sem musculatura política para demonstrar resistência diante desses cortes e capacidade para avançar nas linhas necessárias, o sistema educacional sobrevive ileso no seu “feijão com arroz”. E mesmo que submetido a uma pandemia, que empurrou o aprendizado para o mundo virtual, teve que encarar um veto presidencial de algo como R$ 3,5 bilhões, em cima de um projeto que possibilitaria a internet gratuita na rede pública. Por mais que a Lei de Responsabilidade Fiscal tivesse gerado algum impeditivo, pela circunstância e pelo apelo social, algo precisaria ser feito.
Tudo aqui são aspectos que mostram o drama da educação no Brasil, sobretudo, nessa adversidade. Pelo histórico, não se tem uma situação avessa para se inspirar. O triste resultado é ver que a pandemia gerou, nesta pátria pária de tantos “novos pobres”, um quadro educacional ainda pior.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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