SEXAGENÁRIO? PREFIRO SER ESSE SEXYOXIGENADO AMBULANTE –
Num dos seus rocks instigantes, Raul Seixas soltava aquela sua voz peculiar e dizia “ser uma metamorfose ambulante”. Sua capacidade de mudar e com ela se adaptar às novas circunstâncias, talvez não fosse apenas pela intenção de se mostrar renovado, sempre jovial. Mas, vou-me apegar à essa defensável linha de raciocínio. Por isso mesmo: salve, salve, o eterno Raul.
Bem, acontece que essas convenções de classificação etária institucionalizadas me parecem uma espécie de bestafera. Mais um caso de monstro bizarro, excêntrico, que enquadra, pasteuriza e torna todo mundo homogêneo, para que daí se possa tirar algum tipo de proveito. Afinal, para que danado tem servido essa pecha de “terceira idade”? E algo ainda criado pela OMS?
Na visão de se definir um ciclo geracional a cada 20 anos e disso se estabelecer a ideia de que o terceiro deles representa o alvorecer da velhice, penso que essa métrica representou um ato falho. Por esse e outros fatos, há uma insistência repetida e resistente de que tudo (ou quase tudo) pode ser visto ou conceituado de modo estático. Este viés virou uma tese geral. Mas, como a ciência ensina que a terra gira em torno do seu próprio eixo, para surpresa dos desavisados terraplanistas “fora de órbita”, esse referencial de dinâmica carece de ser levado em conta, diante de inúmeras conceituações e teorias absurdas.
Nesse processo dinâmico não há como imaginar que o mesmo número de sapato caiba nos pés de cada humano. Nesse sentido, se cada caso é um caso, não pode ser por um simples acaso que a expectativa de vida tenha avançado tanto. Dos “velhos da terceira idade” para os “anciãos” do andar de cima dessa faixa etária institucionalizada. Razões bem embasadas existem ao gosto das teorias que lhes sustentam. Ainda bem que o progresso da ciência tem servido para dinamizar essa escala, a ponto de deixar a turma da terceira idade com a sensação de membros natos e frequentes do que chamo de “maturidade máxima”. Isso mesmo. Este é o ápice da experiência – a maturidade máxima.
Claro que as mudanças físicas podem se fazer presentes no organismo de qualquer pacato cidadão. No entanto, comportamentos, percepções, sentimentos, pensamentos, ações e reações podem não acompanhar os rigores implacáveis das aparências. Diferentes dessas, aqueles são aspectos subjetivos, abstratos, que acompanham os comandos que vêm do coração e da mente. Se bem trabalhado, o roteiro do psicólogico, que explica cada um daqueles atributos, parece ser algo mais racional. Pode ser também mais racionado, haja vista que as tais limitações físicas também se impõem em algum momento.
Por tudo isso, prefiro não me ver embalado pelo desafio dos que insistem em chamar essa nova era de velhice. Afasto-me de quaisquer ruídos pretensamente melancólicos em torno desse imperativo. Afinal de contas, pela minha mínima racionalidade, mesmo que não tão presa a uma estética também convencional, condiciono-me a pensar e agir diferente de todas essas convenções. Posso até acatar certos privilégios desse condicionamento etário que as instituições agora me entregam, sem o meu pleito. Pelo menos, enquanto os limites físicos se mostrarem
incontroláveis para mim. Mas, como bem disse Raul, até que nessa situação poderei ser aquela “metamorfose ambulante”, pronto para se transformar num ser não convencional, que irá encarar o modo de viver os 60 com outro olhar.
Por conta disso, é que não me enquadro nessa de ser agora o tal “sexagenário” que querem que seja. O coração e a mente me transportam agora para o sexy e o oxigenado. Sexy, no sentido amplo do termo, de me manter atraente naquilo tudo que faço com gosto apurado e enorme prazer. Oxigenado, porque mantenho acesa aquela velha disposição desafiadora de renovar os ares, respirar o novo e dar mais e melhor sentido à vida. Penso ser essa a verdadeira agenda 60. E assim, espero cumpri-la.
Se o que digo aqui faz mesmo todo sentido, que a jornada das seis décadas chegue então inspiradora, capaz de renovar o brilho das experiências já adquiridas. E quando as novas já não puderem ser consideradas numa plenitude desejada, que valham como aquela forma otimista de reconhecer os erros e os acertos de um passado bem vivido. E ao lado dos que me cercam.
Enfim, sinto-me acolhido hoje pelos novos tempos, que se projetam para um homem de 60, assumidamente sexyoxigenado. Que seja esta a minha sina.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco