PONTO DE VISTA DE ALFREDO BERTINI

Do posto independente que tudo soluciona à loja de (in)coveniência –

O título não sugere nenhuma rendição ao marketing promocional de certa rede de combustíveis. Até mesmo porque o sentido da conveniência das lojas nos postos, qual seja a solução prática e rápida para tudo que se demanda, não atenderá na sua plenitude a proposta deste texto.

Com essa intenção pretendo apenas “pegar carona” num conceito, que serviu para fortalecer a imagem de quem pode prever e ditar a política econômica de um governo, desde a campanha eleitoral. Na imagem construída em torno de um conhecedor das minúcias do mercado, a certeza de que, para cada questão complexa da economia, ter-se-ia uma resposta objetiva e exequível. Assim como à conveniência das lojas da rede de postos, onde para toda demanda há uma solução. Situação tão perfeita que nivela conceitualmente posto e ministro, não importando que a este lhe coubesse a marca do primeiro. Desse modo, foi concebida e difundida a relação de um presidente com seu ministro. Simples assim.

O tempo mostrou que não é desse jeito que a banda toca. Tudo que pode ser sólido se mostra suscetível ao desmanche no ar.  Nesse processo gradual de desconfiguração, o que parecia ser conveniente às soluções, pode-se ver submetido às inconveniências. Por razões distintas, as lojas podem contar com desabastecimentos e daí  perderem sua essência propositiva. Se cabem aos postos entenderem as razões, também cabem aos analistas atentos saberem o que leva um ministro da economia a perder força.

Diante de uma instabilidade econômica implacável desde o início do governo, a postura resiliente de Paulo Guedes à frente do Ministério causa em mim – e em muita gente – uma surpresa diária. Por isso mesmo, que alguns enigmas precisam ser melhor desvendados. A solidez do poder de Guedes continua se desmanchando no ar. E com intensos ventos ciclônicos, tamanha é a capacidade de se gerar e renovar crises no governo.

A maior estranheza em si, tema de deleite para os economistas, é entender o verniz ideológico que hoje põe em “postos” diferentes o presidente e o ministro. Ao contrário do líder político, o ministro tinha em conta mais de 30 anos de convicção e prática, moldadas pelo abraço ao liberalismo. Ou seja, mente e língua afiadas para atender a tudo aquilo que a soberania do mercado pudesse ser capaz de inspirar. Só que entre o projeto arquitetônico e a obra não só há o concreto de uma ponte. Muitas vezes as respostas políticas estão nos abstratos que estão por baixo dela. Ou então, entre os pontos distintos que se unem na construção.

Diante disso, posso aqui fazer um breve resumo que bem diz a grandeza e diversidade do desafio,  ainda não superado por Guedes e equipe: 1) a inexperiência pública agregada à inabilidade política; 2) a evidência maior do pensamento nacional-corporativista do presidente e auxiliares próximos que, no exercício do poder, distanciaram-se do liberalismo de campanha; 3) o consequente desgaste gradual dessa equipe, que já acumulou mais de uma dezena de baixas; e, 4) o descrédito gradual das promessas de Guedes, diante do insucesso da maioria delas, em especial, o controle das contas públicas.

Apesar de reconhecer a dimensão de uma pandemia, que traz na sua genética a instabilidade, é certo que antes desse advento crítico o cenário econômico já não inspirava confiança. Nessa situação, o pior foi mesmo ter que assistir ao recuo inevitável de posições até ultraliberais, por força de uma demanda social mais exposta pela pandemia. E como esse tema não era da base ideológica, o desafio imposto revelou ainda mais o tamanho do despreparo. Com a soberba idealista e sem experiência e habilidade para exercer uma engenharia política a altura da pluralidade da crise, a equipe econômica se viu acuada. Isso pelo vigor alternativo das ideias vigentes no Planalto, assim como pela propensão a gastar de outros ministérios e dos parlamentares da base de apoio. Sendo tudo isso um contexto que recai sobre a autoridade responsável por conduzir a política econômica, à pauta natural das incertezas que dela se extrai, soma-se a dose de risco que a fragilidade do ministro e da equipe tem conseguido transmitir para o mercado.

Enquanto a sociedade assiste aos capítulos de quem já foi o posto das soluções e hoje está à mercê da inconveniência de respostas que não agradam ao próprio governo, a economia segue a sina da instabilidade.

Ou se instaura a falência do posto ou chegou a hora de mudar de ramo. As inconveniências estão a olhos vistos.

 

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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