PONTO DE VISTA DE ALFREDO BERTINI

 

REGISTRO UM VIGOROSO “ESTOU INDIGNADO” –

Quando essa ideia de “reality show” invadiu a grade de programação da TV brasileira fiquei curioso para saber sobre a reação do público. A experiência por vê-lo comprometido nas decisões não era em si uma novidade na TV. O modelo “você decide” e até capítulos finais de novela chegaram a ter esse nível de engajamento participativo. O que me despertou a atenção foi mesmo o fato de ser possivel assistir a uma experimentação inédita de pessoas reclusas numa casa, sem que tivessem acesso ao bem maior da modernidade: a informação.

Por ser essa proposta um exercício de resistência psicológica, a curiosidade me levou a ver de perto a primeira temporada. A cena inédita de um tal Bambam aos prantos, afogando-se nas lágrimas de uma pressão psicológica inédita, decorrente de uma convivência com pares desconhecidos, levou-me a pensar melhor sobre o tema. De fato, era uma ousadia ocupar o espaço nobre da grade da TV com uma proposta real de exposição de pessoas confinadas.

No entanto, aconteceu para mim a constatação do óbvio, na qual o tempo foi implacável na maneira de se expressar. Ou seja, o “reality” era um jogo, onde a ideia do confinamento descambaria para um ambiente de intrigas e traições, como mera forma de entreter o público. Tudo isso temperado pela plasticidade televisiva de se permitir algum apelo de sensualização, onde o clima de festa parecia ser mais importante que as provas do jogo. O programa perdeu minha discreta audiência, porque fugiu daquela essência de testar abertamente a resistência humana em ambiente de pressão.

Tanto tempo depois, ainda no entendimento de que o ser BBB (para quem participa e para quem curte o programa) pouco ou nada me acresceria, tomei conhecimento das diferenças da edição 21, antes mesmo que o pico da audiência reforçasse tantas razões pelas inovações introduzidas há duas ou três edições anteriores .E o gatilho para mim foi saber da participação de um certo Gilberto, estudante do Doutorado em Economia da UFPE. Um fato em si que já me trazia um diferencial, dada a coincidência com minha referência acadêmica. Por isso, decidi renovar minha aposta em assistir ao programa.

Minha surpresa não se resumiu apenas na confirmação da formação acadêmica de Gil. Foi além. Saber que um estudante de origem familiar humilde, muito bem avaliado na sua condição acadêmica e com pretensões de crescer na carreira estava bem participativo num “reality show” foi algo impactante. Mas vê-lo como protagonista desse “reality”, assumindo suas bandeiras foi também positivo. Por extensão, a boa surpresa ficou ainda por conta do nível e da oportunidade das conversas e embates entre participantes, Somem-se a isso as excelentes e adequadas ações promocionais dos parceiros comerciais do programa, que souberam “surfar” nas ondas favoráveis. Tudo dentro do figurino de uma produção de TV sintonizada com o mundo.

Nessa configuração, foi bacana assistir ao “vigor” de Gilberto, em transformar seu protagonismo de jogador e ser humano sensível, em um dos favoritos. Entendo que ele tenha sido um participante completo de um “reality”, que viveu seu confinamento à mercê das emoções, pois exerceu de modo irrestrito seu crescimento e sua auto-aceitação. Um exercício que expôs corajosa e publicamente, apesar das carências de criança pobre e criada pela valentia materna. Isso sem perder o sonho de ser alguém no “reality” natural da vida.

Só que a ampliação desse sonho se deu até domingo, momentos antes da sua injusta saída do “reality” da TV. Bem, esse fato cabe análise sobre o que pode ter acontecido para consagrar tamanha injustiça, quando enquetes e percepções apontavam para outro alvo de eliminação.

Apesar da regra ser clara na permissão, a razão dessa eliminação foi a sustentação de um modelo que não favorece ao jogo competitivo. Dado que a produção do programa tem sustentado um sistema equivocado que oferece votações sem limite, a responsabilidade não pode ser atribuída a quem não se organizou para votar nos concorrentes. E nem muito menos em quem votou contra Gil, dado o engajamento “full time” do fã-clube da maior adversária. Assim, embora seja uma ação validada pelas regras atuais, parece-me pertinente tomar o “caso Gil” como um exemplo de interferência externa bem orquestrada, capaz de retirar do jogo um protagonista querido pelo público e que daria outro brilho à final. Cabe revisão.

Gil não ficou com o prêmio e deixou muita gente “indignada”. Talvez até nem o ganhasse. Mas, consagrou sua marca, como um exemplo de protagonista completo para um “reality show”. Aqui fora será visto como um excelente aluno do Doutorado em Economia, agora com o tempero de ser ainda uma estrela da fábrica dos sonhos que é a TV brasileira.

Tem talento para jogar nas duas e apagar a indignação dos que o queriam, no mínimo, como finalista.

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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