Súmula econômica em tempo de pandemia: clima de turbulência I –
Para uma melhor atualização das consequências econômicas de uma pandemia descontrolada pela falta de planejamento, acostumei-me a recorrer a um juízo de valor particular, tal e qual se usa o “video assistant referee”, hoje habitual nos jogos de futebol. Este “VAR” exclusivo e de “olhar agateado” passou a me atender com dupla importância.
No primeiro plano, porque sempre acatei a mídia convencional como fonte de informação segura e confiável. Entendo que houve preparo profissional para isso, pois o resultado não representa exercício isolado de quem fica suscetível ao seu próprio crivo e conveniência. Qualquer exagero tendencioso, costuma ficar a critério da sensatez que reservo ao meu discernimento.
No segundo plano, por razões mais específicas, porque são tantos os lances dos jogos econômicos, que certas dúvidas só se exaurem nos mínimos detalhes. São dignas de análises – e não menos comprometidas ainda pelo filtro sereno daquele mesmo discernimento prévio.
Diante de tais circunstâncias, assumo aqui que, tudo que atento com o devido destaque no ambiente econômico, é rigorosamente visto e revisto por mim, consideradas as mais distintas opiniões que faço questão de colhê-las. Assim, procuro sintetizar o melhor desse discernimento que tanto reforço, em nome do equilíbrio e senso democrático. Estes, atributos que compreendo como vitais ao cotidiano brasileiro, muito embora, lamentavelmente, perceba na sociedade atual algumas posturas descabidas, que miram no sentido contrário deles.
Dada essa infeliz renovação de turbulências causadas pela pandemia, a súmula de hoje, vista e revista pelas lentes do meu VAR, traz à cancha de jogo duas questões de dimensão macroeconômica. Outras, de caráter mais pontual, trarei na próxima coluna, ocasião em que abordarei três setores pouco visitado pelos economistas, mas bastante prejudicados pela crise: cultura, turismo e esportes. O que vale agora é reforçar que, em cada situação dessas, a ordem de grandeza da crise sanitária se manifesta de modo enfático, o que corrobora sua condição de agente catalisador das dificuldades econômicas, mesmo as pré-existentes.
POLÍTICA MONETÁRIA: Pela segunda vez consecutiva, o Comitê de Política Monetária (COPOM) confirmou a aposta dos agentes do mercado, na sustentação de taxas de juros mais altas. O acréscimo de 0,75%, elevou a taxa Selic para 3,50% ao ano, o maior patamar registrado desde maio do ano passado, quando essa taxa atingiu 3,75% ao ano. E essa expectativa restritiva permanecerá em voga até a próxima reunião (junho), haja vista que os juros dos contratos futuros já refletem um quadro de aperto monetário. Mesmo com o petróleo em baixa, os altos preços das “commodities” geram reflexos internos nos preços dos alimentos e alguns produtos industriais, sem falar ainda da anunciada “bandeira vermelha” nas tarifas de energia elétrica. Portanto, a barreira dos 5% anuais de taxa Selic já se mostra alcançável.
REFORMA FISCAL: A luta continua, entre intenções e sérias divergências. Bem distante dos reais interesses da sociedade em ver as contas públicas mais próximas do equilíbrio, aos embates entre o o governo e parlamentares, somam-se agora a persistente inabilidade política da equipe econômica e os conflitos de disputa de poder dentro das casas legislativas. Assim, entre o ofício parlamentar que se apega às sutis discordâncias da PEC 50 do Deputado Rossi e da PEC 110 do Senador Heinze, as injunções do governo em esforços inadequados. No geral, sugerem criações tributárias esdrúxulas (CMPF disfarçada e tributação de livros), bem como, a miopia para atuar com ponderação até onde se pode avançar na taxação sobre renda e propriedade. Ademais, sem falar no que seja setorialmente estratégico para definir a zona de atuação dos incentivos fiscais. Mantidos tais impasses, a pandemia continua a ensinar sobre as políticas sociais mais atentas à vulnerabilidade, esta ditada pela piora da desigualdade, pela mácula da pobreza e pela dor da fome.
Se esse extrato da macroeconomia já reforça o dilema da crise, dá para imaginar o que dizer de setores que foram os primeiros a sentirem o impacto da pandemia e que serão os últimos a recuperarem suas atividades.
Essa outra súmula ficará para a próxima coluna.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco