Quando a emergência da política social se revela no populismo econômico –
James Freeman Clarke foi um escritor americano que, durante parte do século XIX, fez dos seus escritos e das suas pregações, defesas em favor dos direitos humanos e da liberdade. Atribui-se a ele uma frase emblemática, adequada ao propósito deste texto, que diz o seguinte: “enquanto o estadista pensa nas próximas gerações, o populista pensa nas próximas eleições”.
De fato, a simplicidade objetiva dessa frase foi implacável e pode ser traduzida pelo mais elementar dos entendimentos. Ao mirar numa perspectiva histórica da política brasileira, concebo o quanto foi – e continua sendo – difícil se identificar protagonismos no padrão de estadistas. Fora do paradigma de um clássico “feijão com arroz” com cara de coadjuvante, o que se pode destacar de protagonismo político costumam ser fiéis exemplos de populismo, dada uma ou outra exceção.
Não me cabe mergulhar agora nas ondas inquietas da História, porque me propus olhar firme para o futuro. Acontece que qualquer vislumbre político em nome de gerações que irão me suceder parece não ser algo seguro e otimista, isso se for mantido o cenário atual pautado pelo mantra do maniqueísmo polarizado. Apesar desse dualismo, entre tantos pontos que despertam uma curiosidade inquiridora, percebe-se algo diferente no ar, além dos “aviões de carreira”. Enquanto a oposição ensaia possibilidades de composição que lhe retiram o fardo do radicalismo, o ímpeto governamental parece focado no seu ideário extremado. E para garantir a reeleição, vale tudo. Até contrariar princípios que compuseram o discurso, no início da trajetória.
Nesse contexto, vale aqui realçar e entender o significado do ministro da economia renunciar o academicismo da sua essência liberal para assumir um viés político inverso. Algo claro quando disse dias atrás que “para ganhar eleição, será preciso gastar, gastar e gastar”. Isto cabe uma reflexão ampliada.
É evidente que a situação de desmantelo social causado pela pandemia passou a exigir do governo um outro olhar. O panorama é assustador: o desemprego, a miséria e a fome tomaram proporções bem preocupantes.
Já são 14,5 milhões de famílias cadastradas como integrantes da extrema pobreza (até R$ 89/mês). A elas se somam mais 2,8 milhões que estão estatisticamente na pobreza (entre R$ 90 e R$ 179/mês). Isso é resultado de 15 milhões de desempregados, mais 6 milhões de desalentados e outros 7 milhões de subocupados. São 28 milhões de brasileiros sem renda ou mínima renda. Esses números ainda levam à estimativa de que 19 milhões estão sob o cruel regime da fome. Esta é a situação que requer uma maior urgência na política social.
Está-se diante de um contexto que intriga e instiga qualquer cidadão com o mínimo de humanidade. Não bastasse o problema da deficiência de quantidade e da qualidade nutricional dos alimentos ingeridos pelos brasileiros, com a fome os efeitos sociais futuros se tornam mais comprometedores.
Claro que a ação do governo é indispensável. Mas o que antecipo aqui é o fato de uma política social não ter pautado o discurso nos primeiros atos governamentais. Muito antes da pandemia. Gastar agora por essas razões e acatar as pressões políticas por outras despesas sem uma evolução técnico-conceitual adequada cheira a oportunismo eleitoral.
A pregação messiânica do “mito” como um ambicioso projeto de estadismo foi mal colocada, escrita e ouvida. Tudo leva a crer que se tratava de estatismo. E não faltam outras motivações meritórias para tal juízo.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco e colunista da Folha de PE
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