A emergência da política social nega a guerra ideológica –
Em tempos de polarizações que se esforçam para transformar opiniões em verdades, a busca pelo equilíbrio é vital. Da postura política ao comportamento social, uma falsa verdade parece impositiva. Exercício de absolutismo.
Com o dever de me manter no espírito da coluna, esforço-me pela ponderação, por mais que a crise social fosse previsível, pelo porte da pandemia. No texto anterior, expus a essência desse drama ao revelar números que expressaram níveis alarmantes de pobreza, desemprego e fome. Destaquei ainda que o papel do Governo foi de “tolerância admitida”, haja vista que seu ideário natural desconsiderava uma política social efetiva.
Afinal, de que modo pode ser definida a efetividade da política social, no pensamento liberal? Posso aqui destacar que o brilhante filósofo José Guilherme Merquior, expoente dessa linha, já revelara na sua obra essa preocupação, a ponto de ser reconhecida como um vetor da linhagem intitulada “liberalismo social”.
No caso particular do governo, foi necessária uma pesadacrise sanitária, para fazer com que a equipe econômica tolerasse algum intervencionismo. E a efetividade dessa política, conceitualmente associada à assistência dos mais vulneráveis, passou a ser considerada. Ou seja, a ação pública só se tornou indispensável na agudeza dos problemas, justo por estar associada aos dividendos eleitorais.
Vista essa falha de origem e considerado o “entusiasmo” pela disposição de “gastar, gastar e gastar”, não se pode perder o foco na efetividade. Esta condição está claramente dirigida para a emergência em torno da imunização pública e concessão de auxílio aos mais vulneráveis.
Como já tive a oportunidade de predizer, a melhor “injeção econômica” está na “injeção de imunizantes”. Ou seja: vacina, vacina e vacina. E esse vaticínio tem sido dito e repetido desde o início do segundo semestre passado, quando o governo não apostou nas aquisições e daí num planejamento das imunizações. A carta recente dos mais de 500 economistas reforçou essa sinalização, no sentido de dizer que nesta crise a política social deve se antecipar à econômica.
Ademais, o auxílio emergencial que se desdobra numa linha programática de renda mínima, precisa agir firme na intenção de minimizar os números da pobreza e, em especial, dos brasileiros que voltaram a passar fome. Mais do que considerar essa piora conjuntural como um fator humano, social e economicamente inadmissível é poder considerará-lo pelo viés estrutural. Afinal, o agravamento social já causou sequelas em áreas estratégicas para qualquer projeto de desenvolvimento. Assim, o que dizer da educação? Dela se extraem questões essenciais, que nos estratos mais baixos, comprometeram aspectos desde a qualidade do ensino até a melhoria nutricional, vista pelo acesso à merenda.
Num mundo onde as pessoas parecem mais desumanizadas, pois preferem se estranharem a ter que se olharem e daí se virem diferentes, o maniqueísmo tem sido algo terrível. Mas, é preciso que se considere a emergência social como um estado capaz de negar essa tola insistência pela guerra ideológica.
Mais que dividir os brasileiros, vidas não serão salvas e nem muito menos recuperadas por ideologias. Essa guerra não fará com que os pratos retornem às mesas. Ela também não contribui para que a economia retome uma trajetória firme de crescimento.
O país merece e carece de mais equilíbrio.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco e colunista da Folha de PE
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