A ENGENHARIA DO ENTENDIMENTO FICOU ÓRFÃ –

Dias atrás, nesse clima reflexivo imposto pelos dissabores da pandemia, conversava entre amigos sobre essa conjuntura política de tão baixo nível, sobretudo, no campo do entendimento.

É impressionante que num ambiente onde ainda se impõem regras e instituições democráticas, o exercício salutar da boa conversação e da busca por consensos seja algo tão escasso. Ultimamente, a sociedade parece ter admitido com espantosa naturalidade que o contraditório é nocivo e por essa razão precisa ser eliminado do contexto. No discurso reacionário do anti-establishment, fez-se emergir essa onda perniciosa de se negar uma essência fascinante da política: sua engenharia.

Aqui e agora, na minha modesta pretensão de reforçar essa tese e ainda render uma justa homenagem a quem foi mestre nesse ofício político, parece-me que uma boa releitura do velho “O Príncipe” ajuda a endossar essas minhas discretas palavras. Afinal, pode-se extrair da obra de Maquiavel um entendimento a respeito dessa raridade em encontrar políticos hábeis e prudentes no exercício democrático do poder, justo nos climas de acirramentos ideológicos.

Bem, naquela conversa entre amigos, lembrava de grandes nomes que deram brilho ao nosso parlamento, tais como Tancredo Neves e Marco Maciel, na intenção de destacá-los como exemplos dignos do quanto eles fazem falta nesse mundo de polarização, pautado por um desentendimento que se traduz em intolerâncias descabidas e inimizades quase homicidas. Surrealismos e absurdos que vão além das visões de Dali e Kafka.

É evidente que faz parte da cena política as divergência de ideias, os desencontros nas formas de pensar e executar as ações públicas. O mínimo de respeito aos valores democráticos faz com que esse contexto político seja tratado como algo natural. E justo nesse tipo de ambiente que se vislumbra o papel de quem faz as pontes como marco. Portanto, essas são aquelas raras figuras que se habilitam a praticar uma certa engenharia, que dão sentido à verdadeira essência da política. Uma arte muito própria, nata, somente encontrada em quem sabe valorizar a articulação pelo entendimento, por mais distintas e extremas que sejam as ideias vigentes.

Marco Maciel foi mesmo um exemplo nesse mister. Por mais que algum adversário político tenha nutrido por ele a maior das discordâncias, não terá como desconhecê-lo na sua postura elegante, respeitadora e afável de lidar com o contraditório. Era impossível chamá-lo para um embate agressivo. Ele se impunha na sua estatura: física e comportamental.

Particularmente, tive meus momentos de convivência política com ele. Boas recordações de conversas serenas e equilibradas. Não só posso ratificar aqui todos esses conceitos que lhe são atribuídos, como devo externar minha mais profunda admiração pela sua maneira de tratar e considerar o conhecimento técnico-científico. Foram inúmeras as demonstrações que lhe foram creditadas. Seja pela visão dos muitos talentos que ele formou em tantas áreas na sua trajetória política. Ou mesmo, nas iniciativas que tomou a partir da sua concepção de mirar para todas formas de desenvolvimento. Tudo no seu momento certo, pois como costumava dizer: quem tem prazo não tem pressa, porque não se deve por o depois antes do antes”. Previsão dos hábeis.

Nesses tempos difíceis, Pernambuco perde uma das suas referências politicas. E justo no momento em que o equilíbrio e o entendimento se fazem imprescindíveis. Ficam suas boas lições.

A orfandade da engenharia politica consumada hoje com a irreparável perda de Marco Maciel esgotou o prazo. Agora, mais do que nunca, é preciso pressa nessa busca incessante pelo entendimento. Um exercício de foco nacional que consagraria uma justa homenagem a Marco. Sinto-me enlutado, mas na crença de que seu legado pelo entendimento representa uma lição obrigatória para este momento nacional.

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco e colunista da Folha de PE

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