A linha tênue entre a inteligência social e o populismo barato –
Depois da semana comemorativa do primeiro ano da coluna é preciso voltar à linha habitual. E por falar em linhas, como prefiro jogar dentro das quatro que compõem o campo do jogo, esforço-me por manter aqui o equilíbrio analítico, por mais tênue que seja a linha imaginária que consigo estabelecer diante de antagonismos acirrados e até fanatizados. Tempos de um exagero maniqueísta, como se não existisse vida entre o céu e a terra.
Nesse cenário há algo diferente no ar, além dos convencionais aviões de carreira. E isso atinge justamente o ambiente da equipe econômica do governo, reconhecidamente assumida no rigor da sua natureza ideológica. Ou seja, uma equipe de formação ultraliberal, capaz até de se abraçar com sua convicção mais extrema – o “laissezfairismo” .
Bem, o pragmatismo por si já ensina muito, ainda mais quando as cenas de políticas públicas tipicamente brasileiras, por particularidades culturais, tendem a desmentir essa e tantas outras teorias econômicas. De fato, isso pode acontecer (como aconteceu), mas o que intriga nessa história é o efeito “fórmula 1”, de sair de “zero a cem”, em fração de segundos. Ou melhor, simples e objetivamente, sair da formação liberal e assumir o outro extremo: a defesa agora intransigente pela intervenção estatal. Mesmo que a “sensibilidade” social tenha contaminado o mais frio dos liberais ortodoxos.
Sigo meu raciocínio por partes. Primeiro, ficou evidente que sempre houve um desencontro ideológico entre a presidência e seu núcleo econômico. Melhor: o presidente comprovou que jamais foi um liberal. Depois, nada do que foi anunciado dentro dessa pauta ideológica foi consagrado, pois estão aí para a confirmar a tese aspectos como o fiasco das reformas do setor público e a debilidade das privatizações anunciadas. Em complemento, a novidade do momento, a assunção de uma “inteligência social” por parte da equipe econômica, que por não ser elemento natural de seu repertório, intenta agora revelar uma mudança radical de postura. Soa como um alarme falso, por maiores que sejam a maquiagem, a subserviência política e os riscos operacionais.
A maquiagem está no fato de se mostrarem estatistas por força da tragédia social anunciada, embora o velho “lobo liberal” não se esconda, posto que a “pele de cordeiro” não disfarça. Todo esse esforço é mera rendição ao desejo eleitoral do chefe, quando nessas horas o interesse político por gastar é bem maior que o senso técnico por poupar. Por fim, a equipe econômica ainda se submete aos riscos operacionais por manobrar o sempre maltratado orçamento público. Interessante que pelo porte da manobra a velha pedalada pode vir oportunamente motorizada. Antes uma modesta bicicleta. Hoje uma possante motocicleta. Com ou sem outras intenções, conforme queira o leitor.
O danado disso tudo é entender que, diante dos desafios que se impõem à efetiva construção de um desenvolvimento dito sustentável, era preciso agora se estabelecer uma verdadeira “inteligência social”. Nada que se aproximasse dos convencionais impulsos populistas que já fizeram parte da nossa dura realidade. Do jeito que estão anunciados os firmes propósitos da equipe econômica, creio que não haverá como chegar à tese. O populismo voltou às veias e me parece que o país está diante de uma política socioeconômica “nem nem”: nem liberal, nem estatista.
Sobre essa opção esquisita, irei tratar na próxima coluna.
Alfredo Bertini – Economista e ex-secretário nacional do audiovisual e de infraestrutura do Ministério da Cultura
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