O Agronegócio e o Seu Momento de Fazer a Ocasião –

Há uma expressão da nossa notável Clarice Lispector com a qual me identifico: “um dia de cada vez, que é pra não perder as boas surpresas da vida”. Pois é, nada mais apropriado que usar a lucidez de palavras extraídas das melhores referências da nossa literatura, para daí se traduzir em algo que se mostre diferente. Muitas vezes, o que se pode revelar como uma surpresa para tantos, representa algum fato construído para poucos. Por isso, “um dia de cada vez” é a senha para que as realidades possam se manifestar.

Digo isso porque muitos mitos foram construídos em cima das conquistas do agronegócio brasileiro, embora no sentido de tratá-lo renitentemente como o vilão de um mundo que carece ser sustentável. Das queimadas insanas até mesmo à incrédula condição de gerar alimentos inseguros ou comprometidos com a vida saudável, tudo virou motivo para combater o agronegócio. Nesse sentido, o setor passou a ser a referência do novo embate ideológico em torno da ganância e especulação do capital.

Mais uma vez, vale a máxima da coluna: nem 8, nem 80. Se alguns remanescentes de um superado modelo agrícola se mantêm dessintonizados com o mundo, o importante é reconhecer que existem outros tantos e mais empreendedores do agronegócio, que estão conscientes do seu papel de agente transformador da sociedade. E numa área de atuação delicada, exatamente a que atende a demanda por alimentos.

Essa revisão de conceito é algo que me parece lógico, longe de crer em alguma força de quem aposta no viés do atraso. O agronegócio brasileiro é uma realidade de superação empresarial, que por apostar no conhecimento e na inovação tecnológica dos seus gestores e colaboradores,  consagrou sua relevância econômica. Seja pela dinâmica atual, que lhe garante força ante à formação do PIB. Ou mesmo, pela sólida conquista dos exigentes mercados pelo mundo. Portanto, é até tolerável que toda energia dispendida para alcançar tal evidência crie seus graus de contestações. No entanto, cabe-me reforçar que os compromissos com os temas da sustentabilidade estão incorporados em muitos arranjos da produção agrícola. Nessa linha, assisti a programas de TV que exibiram conteúdos que corroboram com tais escolhas. Desde o caso da produção exitosa do café no sul de MG, até outros exemplos de pecuária e avicultura, ambos operados sob rigorosos controles ambientais e sanitários.

Visto isso, não me causa espanto o manifesto do setor em defesa da estabilidade institucional do país, com seu compromisso claro de uma pauta coerente com a sustentabilidade e as diversidades. Pareceu-me algo como aquela luz à moda “clariceana”, de quem esperou pelo momento certo para expressar outra conquista, por mais surpreendente que seja para os desinformados. A lição dos integrantes do agronegócio em não só defender a estabilidade institucional, como se antecipar a outros movimentos empresariais, de quem se esperava até mais engajamentos em prol da estabilidade, representou o fato econômico da semana.

Numa reflexão mais ampla, dada a frase inicial de Clarice, cabe uma conclusão. A ocasião deste momento de instabilidade política, que surpreendeu a inquietude do senso ideológico que gira em torno do fazer o agronegócio, mostrou que o dinamismo econômico desse setor  também reforça seu compromisso com a nova agenda mundial.

Por conta desse mérito, consagro aqui mais um registro, como fiz no texto da coluna anterior, quando enalteci quem recorre ao investimento na educação como inspiração para um mundo melhor. Pois é, esse exemplo do exercício consciente do agronegócio é mais uma demonstração de que o capital pode não ser tão selvagem como ainda se pinta.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

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