TERAPIAS DE SAPIÊNCIA PARA TOSCOS E EMBURRECIDOS EM DOSES RODRIGUEANAS –
Aliar o comedimento da vida social, ainda imposto pela dimensão da pandemia, com cenas explícitas de um “emburrecinento” de parte da sociedade, confesso ter sido meu único agente depressor. Para esse viço “intelectualóide” que distingo como uma onda teórica de “energia estéril”, rapidamente combato com ócios criativos, como bem definiu o sociólogo italiano Domenico de Masi. Enfim, causa-me espanto a intolerância de quem inflama polarizações em cima de temas de enorme sucesso nos tempos da inquisição ou dos que antecederam a revolução francesa. Pior mesmo só a tolerância de conveniência dos que têm que suportar tanto “besteirol”.
Inspirado num texto brilhante que li recentemente do lúcido economista e político Cristóvam Buarque, denominado “Réquiem ao Homo Sapiens”, resolvi buscar mais elementos suavizantes para enfrentar essa força “emburrecedora”. Uma vontade mais ainda despertada quando, no deleite da programação da TV Cultura, assisti ao programa da jornalista Thaís Oyama e o filósofo Luiz Felipe Pondé sobre o genial Nelson Rodrigues. Permitam-me os leitores essa maneira própria que costumo adjetivar essa figura multicultural e profética, que me fez um admirador incondicional desde sua primeira obra. Entre a pertinência do texto de Cristóvam e as análises do tal programa sobre as obras de Nelson, senti-me pronto para o desafio de reforçar meu basta contra essa energia estéril dominada por embates tão idiotizantes.
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A propósito, no último dia 23 de agosto, Nelson Rodrigues completaria 109 anos. Este recifense de origem pouco lembrada, cuja primeira infância brincou à sombra das pitangueiras de várzeas do Capibaribe, é para mim um dos gênios nacionais, por ter-se revelado ímpar na crônica social cotidiana. Nelson foi o mais arguto conhecedor da alma e identidade do “ser brasileiro”, algo tão presente nos seus textos e nas suas peças.
Um pouco da sapiência rodrigueana está na sutileza, perspicácia e ironia comuns às suas frases. Algumas delas com doses proféticas, capazes de serem revistas e refletidas agora com profunda atualidade.
Tomo aqui a liberdade de pinçar algumas que julgo lapidares para o momento. A conferir.
“Invejo a burrice, porque é eterna”.
“O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência”.
” A liberdade é mais importante do que o pão”.
” Nada mais cretino e cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”.
“O ser humano é cego para os próprios defeitos. Nem o idiota se diz idiota”.
“O homem de bem é um cadáver mal informado. Não sabe que morreu”.
“Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade”.
“Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha”.
“O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”.
“Existem situacões em que até os idiotas perdem a modéstia”.
” A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza”.
“A ideologia que absolve e justifica os canalhas é apenas o ópio dos intelectuais”.
“Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina”.
Todas essas frases garantem o tom das minhas conclusões. E servem mesmo de terapia para que se possa lembrar que ainda há inteligência entre o céu e a terra. Nada mais a acrescentar.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco