Entre os Fiascos do Guizo e do Fisco, a Economia Imerge em Velhos Riscos –
Numa das famosas fábulas de La Fontaine, a história de se por um guizo em certo gato, ameaçador, enquanto aceitação de “deliberação” proposta por uma convenção de ratos, sempre teve alguma lembrança libertária até os dias de hoje. Por mais que não seja cabível submeter nossos simpáticos felinos ao estressante badalar de sininhos.
Exercido assim meu momento de ailurofilia (isso mesmo: substantivo aplicado para quem tem amor pelos bichanos), essa fábula me vem logo à cabeça, justo para que recoloque aqui toda uma preocupação com os rumos seguidos pela economia brasileira. Claro que num clima de possibilidade concreta do agravamento dessa inédita multicrise que se abateu sobre o pais. Vale dizer que muito inflamada por uma conjunrura política de antagonismo acirrado. Assim, parece-me defensável apelar para enredos mais suavizantes, onde possa recorrer a simpáticos gatos e ratos. Vale tentar.
De fato, consta no roteiro original de La Fontaine que os ratos fizeram uma reunião para resolver as ameaças de um gato esperto e que a todos perseguia. Depois de muita discussão foi aprovada uma proposta de pendurar um guizo no pescoço do poderoso e cruel felino. Assim, a solução estava encaminhada, porque seria possível para os ratos ouvirem o gato se aproximar e, com isso, quem sabe os ratos fugirem no tempo certo. Só que para essa brilhante ideia vingar, restava um detalhe simples na aparência mas decisivo na solução: qual dos ratos seria capaz de por o guizo no pescoço do gato? O autor da ideia da segurança? Ou algum outro líder do grupo?
A conclusão imediata desse fato é cercada de obviedade: há uma enorme distância entre o falar e o fazer. De cara, isso já tem uma sintonia direta com o que fez e faz a equipe econômica do governo. Afinal, entre a promessa de uma proposta liberal – com a conquista de uma nova realidade econômica – e os resultados até aqui alcançados, o que se extrai desse caldo é um simples fiasco.
Como já comentei por aqui, o desengano constatado nos “corredores da Faria Lima” já demonstra que o mercado reconheceu a inapetência do time econômico para promover a política fiscal que se esperava do governo. A grande maioria dos economistas (até supostos liberais convictos) também está alinhada com a mesma percepção. Nesse contexto, o que surpreende mesmo é o apego incondicional do ministro ao cargo, a ponto de não mais lhe incomodar o “viagra populista” que tem sido dosado pelos “novos guardiões” de uma pobreza que só se avulta. A verdade é que o descrédito é fato. Ninguém aposta numa inflexão do cenário, diante da queda de popularidade do governo e da submissão das reformas efetivas às paliativas, cujo teor apresentado, por razões eleitorais, representa a pura necessidade de “fechar as contas”. Aliás, o tema que me proponho a complementar na próxima coluna.
Enfim, o que quero aqui ilustrar é uma outra conclusão que retiro dessa fábula do guizo. Só que numa visão diferente, ou melhor, mediata (não tão imediata como a anterior) . A metáfora da colocação do guizo é a outra face da moeda, que extrapola o falar e o fazer. Isso porque a questão estaria mais apropriada para o calar. De fato, quem se atrevesse a por o guizo, em nome da estabilidade econômica, seria o mesmo que alertasse o óbvio: cada surto anti-democrático é um estresse no mercado. Bem maior que os “meteoros” ditos por Guedes.
Claro que prevalece o fato que ainda não há rato que ouse por o guizo no gato. O danado é que o bichano parece ser barulhento por natureza.
Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador. Ex-Presidente da Fundação Joaquim Nabuco